ISBN: 978-65-86495-05-8
Título | De Javé ao Hotel Cambridge: comparação à luz da ascensão do fascismo |
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Autor | Daniel Feix |
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Resumo Expandido | Espelho psicológico de uma nação, conforme Kracauer (1988), o cinema tem a capacidade de revelar pormenores das relações sociais imperceptíveis fora dos filmes. É capaz de dar a ver "profundas camadas da mentalidade coletiva situadas abaixo da consciência" (p.18), desvelando crenças escondidas e comportamentos escamoteados no convívio social. Em raciocínio sobre a potência reveladora da imagem, Didi-Huberman (2018) trabalha com a ideia de que esta "joga luz sobre o que está à sombra", indicando que o registro fílmico, mais do que uma função reveladora, tem "uma disfunção, uma doença crônica", pois aponta as enfermidades de uma sociedade, o que justifica o "mal-estar permanente da cultura visual" (p. 26). Os filmes iluminam doenças que estão à sombra e, por isso, a ponto de aflorar na sociedade. Essa premissa permite vislumbrar o cinema como antecipador de tendências que, por ora, habitam apenas o inconsciente da sociedade. É o que faço no doutorado na UFRGS, em pesquisa que investiga sintomas do fascismo bolsonarista antevistos pelos filmes brasileiros dos anos imediatamente anteriores à ascensão de Jair Bolsonaro ao poder no país (2018). Nesse processo, interessa-me a descoberta de anseios, angústias e outras enfermidades então desconhecidas inclusive dos autores dos filmes. As imagens por estes produzidas podem dizer mais sobre o contexto em que se inserem do que eles próprios conseguem controlar. Para que as sombras sejam de fato iluminadas, recorro a uma metodologia baseada na ideia de "constelação" esboçada por Benjamin (1984, 1987) e desenvolvida por comentadores como Botelho (2012), Löwy (2005) e Otte e Volpe (2000), culminando em um método de análise comparativa similar ao proposto por Souto (2020) segundo o qual um objeto ajuda a ver algo de outro, como se o esclarecesse, em um processo de cotejamento de via dupla. Em outros termos, um sintoma do fascismo bolsonarista é mais claramente desvelado em um filme se este for analisado comparativamente a outro(s), e vice-versa. Posto que, segundo os teóricos do fascismo (Eatwell, 2003; Griffin, 2015; Paxton, 2007), a ideologia fascista tem características múltiplas e complementares, algumas discretas, os sintomas se tornam mais (e melhor) visíveis com esse olhar direcionado e multi-iluminado. Nesta comunicação, a proposta é apresentar um exemplo desse olhar com a iluminação cruzada entre dois filmes de Eliane Caffé: Narradores de Javé (2003) e Era o Hotel Cambridge (2016). Ambos abordam a luta de grupos de pessoas por um lugar para viver – um povoado prestes a ser submerso por uma represa no primeiro filme, uma ocupação urbana no segundo. Um olhar inicial talvez não detectasse características do fascismo nesses dois filmes, porém, a partir da análise comparativa direcionada a detectá-las, as conclusões são diferentes. Nesse particular, seguindo o princípio benjaminiano segundo o qual um objeto do passado (Narradores de Javé) pode ser reacendido em seu significado se cotejado com outro de um novo tempo (Era o Hotel Cambridge, lançado 13 anos depois), constata-se que sintomas do fascismo que apareciam com discrição no primeiro filme ficam mais evidentes no segundo. E essa evidência ajuda a detectar os sintomas do primeiro. Um exemplo é o desprezo de pessoas em posição social privilegiada pelos grupos marginalizados, tema não central em Javé e que aparece explicitamente em Hotel Cambridge, na sequência da leitura dos comentários de internet sobre a ocupação. Outro exemplo: a posição do artista/criador/intelectual, uma figura com aura de destaque na sociedade de Javé e ordinária em sua inserção no Hotel Cambridge – o que vai ao encontro da desmistificação do processo de construção do pensamento no ambiente fascista, conforme Adorno (2019). Eatwell, Paxton (op. cit.) e o próprio Adorno estão entre os autores que enumeram as características do fascismo, parte delas, como os exemplos aqui citados, presentes nos dois filmes, visíveis a partir do olhar comparativo entre ambos. |
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Bibliografia | ADORNO, Theodor. Estudos sobre a personalidade autoritária. São Paulo: Unesp, 2019. |