ISBN: 978-65-86495-05-8
Título | Carlos Nader e o personagem como dispositivo |
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Autor | Daniel Mendonça Ribeiro Favaretto |
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Resumo Expandido | A comunicação pretende dialogar com a linha de pesquisa proposta pelo Seminário Temático Teoria dos Cineastas ao pensar o fazer documental como Teoria do Cinema. Como objeto, pretende-se lançar um olhar sobre a obra de Carlos Nader sob a luz dos conceitos de dispositivo e auto-ficção. Reformulado pelo filósofo Michel Foucault (1977), o termo dispositivo se refere a uma série de discursos, decisões regulamentadoras, arquiteturas, leis e proposições morais ou filosóficas que se entrelaçam em uma teia visível e invisível, que opera com o intuito de disciplinar a ação do indivíduo na sociedade, tanto na prisão, quanto na família, na escola ou em qualquer outra esfera coletiva. Essa teia promove diferentes efeitos relacionais entre o indivíduo e seu entorno, seja seu assujeitamento, seja instigando produções de cunho subjetivo. O conceito é absorvido por teóricos do cinema documental, como Jean-Louis Comolli (2006), que o utiliza para definir uma série de práticas documentais que, ao estabelecer um jogo com regras definidas entre documentarista e assunto, permitem uma produção subjetiva de ambos sob o risco do real, sem controle total do realizador. O intuito é abraçar o inesperado como estratégia criativa e força motriz que traz o real a tona, subverter o espetáculo e reabilitar a arte e sua verossimilhança, subtraída graças a extenuante roteirização e a saturação dos artifícios utilizados pelo modelo ficcional A partir de uma análise das obras Pan Cinema Permanente (2008), Eduardo Coutinho 7 de outubro (2013), A Paixão de JL (2015), O Homem Comum (2015) e Ópera Aberta: Os Pescadores de Pérolas (2018) é possível identificar que o documentarista Carlos Nader estrutura suas narrativas a partir do seu encontro com o retratado, articulando uma poética em conjunto, o que permite a confecção de um retrato a quatro mãos. Dessa maneira podemos não só observar um documentarista realizando um retrato sobre um determinado assunto, mas também o seu tema realizando um discurso auto-reflexivo sobre si mesmo. E é nesse discurso auto-reflexivo que o personagem se percebe enquanto um, e essa auto-reflexão transita em momentos para uma auto-ficção, o personagem não feliz com sua realidade se reinventa, cria um personagem de si mesmo. Até que ponto essas intimidades confessadas são reais? E até que pontos são parte da dimensão ficcional do filme? Serge Doubrovsky cunha o termo autoficção (1977) para nomear uma narrativa que mistura autobiografia e ficção. O autor discorre sobre o espaço criativo entre a autobiografia, em que falta emoção e aventura narrativas, e o romance, que carece de fatos referenciais. A autoficção não busca a verdade factual nem a coerência histórica. Carlos Nader explica que a etimologia da palavra ficção é ligada ao conceito de moldar e não de inventar. Sua proposta é utilizar recortes desse material retirado de uma realidade, mas moldá-los conforme uma narrativa ficcional com personagens e linha dramática que não deve ser reconhecida necessariamente como um retrato jornalístico do real. Nader cria assim documentários que transitam entre terrenos narrativos e não-narrativos dando importância especial para a memória enquanto experiência presente e a construção narrativa por meio de ficção pessoais. Ao realizar não só biografias, mas retratos com elementos autobiográficos, Nader cria diálogos, colaborações ativas entre retratado e o realizador, criando uma dimensão pautada pela experiência, tentativa e erro. Recusa-se pretensões biográficas convencionais como uma ordenação cronológica de vida/obra e opta-se por uma dinâmica de trânsito entre diários, sonhos, experiências, obras e percepções que trazem uma dimensão íntima para os discurso dos retratados. Nader realiza um ato criativo sobre esse material e deixa nele um retrato de si mesmo, projetando sobre seu retratado também seus sonhos, inseguranças e intimidade. |
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Bibliografia | COMOLLI, Jean-Louis. Sob o risco do real. In: COMOLLI, Jean-Louis. Ver e poder: a inocência perdida – cinema, televisão, ficção, documentário. Belo Horizonte: UFMG, 2008, pp. 169-178. |