ISBN: 978-65-86495-05-8
Título | O Ato de Criação Queer como autofabulação e resistência |
|
Autor | Daniel Oliveira Silva |
|
Resumo Expandido | “Imaginação é a chave para romper as fronteiras entre nações. Nós podemos romper as estruturas existentes de governo. O trabalho que qualquer pessoa faz como artista, se não refletir resistência, está ajudando um sistema de controle a se tornar mais perfeito”. Essa declaração foi feita pelo artista, ensaísta e ativista norte-americano David Wojnarowicz em uma de suas diversas gravações pessoais, usadas pelo cineasta Chris McKim no documentário Wojnarowicz: F--k You F-ggot F--ker (2020). É uma proclamação que não apenas sintetiza a atitude filosófica e o programa político da arte queer do início dos anos 1990 – da qual Wojnarowicz, que morreu de complicações causadas pela Aids em 1992, permanece uma grande referência –, mas que ressalta o poder, e a importância, do gesto criativo. Arte, pinturas, filmes, músicas, livros nos ajudam a imaginar o(s) novo(s) mundo(s) por vir. Eles nos permitem vislumbrar o que ainda não é possível. São fundamentais para a forma como a humanidade concebe, e projeta, o futuro. Porque não se contentam com a realidade como ela é. Eles partem dela, apenas para extrapolá-la. Como Gilles Deleuze pontificou na conferência “O Que é o Ato de Criação” (1999), não existe arte que não convoque “um povo que ainda não existe”. Na conclusão da minha dissertação de mestrado, usei essa conferência deleuziana como uma das bases para propor um conceito que chamei de “ato de criação queer”. A ideia surgiu quando percebi que os três longas-metragem com que trabalhei na minha investigação sobre cinema queer contemporâneo – Weekend (Andrew Haigh: 2011), Retrato de uma Jovem em Chamas (Céline Sciamma: 2019) e Pariah (Dee Rees: 2011) – retratavam protagonistas que, confrontados com os impedimentos e obstáculos de uma vida não-normativa em um mundo violentamente normativo, recorriam à criação artística para “queerizarem” suas existências. Por meio de crônicas confessionais, da pintura e da poesia, os personagens desses filmes reimaginam e fabulam suas narrativas pessoais com uma plenitude queer que suas realidades não lhes permitem. Ao identificar esse mesmo recurso em uma série de outras produções queer contemporâneas, eu chamei tal gesto de autonarrativização de “ato de criação queer” que, nesses longas, representa uma reconfiguração espaço-temporal que, com base na sua noção de historicidade e de espaço, abandona a ideia de arte (e de cinema) como mera representação de uma categoria, rumo a uma proposta de exploração de subjetividades múltiplas, não-fixas, em constante construção e mutação, que se expressam e dão sentido a essa perpétua instabilidade apenas por meio da produção artística. (Silva, 2021, p. 104) Esse conceito, no entanto, foi proposto com base em três longas produzidos no norte global, mesma origem socioeconomicamente privilegiada da Teoria Queer. E o objetivo deste projeto de doutoramento é – na mesma linha de uma série de investigadores do sul global que, numa perspectiva pós-colonial, têm deglutido e reconfigurado as ideias dos estudos queer para seus contextos específicos (Colling, 2018; Costa, 2018; Pelúcio, 2014) – colocar à prova a concepção de um “ato de criação queer”, sua validade e relevância, ao buscar identificá-la na cinematografia queer luso-brasileira contemporânea. A pesquisa buscará desenvolver e consolidar o conceito, com o intuito de caracterizá-lo e de definir o que distingue um ato de criação queer do mero ato de criação, ao perceber como ele se manifesta na narrativa e na materialidade fílmica do corpus selecionado. Nesse sentido, a proposta continua sendo olhar para os longas, para o discurso e o pensamento dos/as realizadores/as, e colocá-los em diálogo com as reflexões da teoria queer. Pensar o cinema como um ato de criação ele mesmo, capaz de fabular e produzir narrativas de gênero e sexualidade – e, ao analisar de que maneira ele faz isso, melhor compreender no que consiste a ideia de um “cinema queer”. |
|
Bibliografia | Baltar, M. (2015). Femininos em tensão: da pedagogia sociocultural a uma pedagogia dos desejos. In: Murari, L. & Nagime, M. (org.). New Queer Cinema: Cinema, sexualidade e política (p. 40-45) |