ISBN: 978-65-86495-05-8
Título | Ceilândia, Cidade Aberta |
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Autor | João Paulo De Freitas Campos |
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Resumo Expandido | Para a discussão que pretendemos estabelecer neste ensaio o cinema é considerado uma prática espacial (SHIEL, 2001). Uma máquina que apresenta uma “habilidade contundente e distintiva de capturar e expressar a complexidade espacial, a diversidade e o dinamismo social da cidade através da mise-en-scène, filmagens em locação, iluminação, fotografia e montagem” (SHIEL, 2001, p, 1). Isso nos leva a uma orientação teórico-metodológica que distingue o cinema primordialmente como um “sistema espacial” com o “potencial de iluminar os espaços vividos da cidade e das sociedades urbanas” (SHIEL, 2001, p. 6). Desse modo, a tarefa deste ensaio é analisar a figuração do espaço urbano no filme A cidade é uma só? (2011), de Adirley Queirós. Nosso interesse é entender como o cinema constrói discursos sobre as cidades a partir de uma crítica sensorial e descritiva inspirada na proposta anti-interpretativa de Susan Sontag (2001). Partimos da hipótese de que esta obra elabora um pensamento crítico sobre as cisuras do Distrito Federal, gesto que revela aspectos da relação entre o centro e a periferia brasiliense. Um dos motivos mais importantes do filme é a perambulação de personagens subalternizados entre Brasília e Ceilândia, cidades vizinhas cuja relação tecida na obra desvela a paisagem desigual do Distrito Federal. A partir desse prisma, levantamos as seguintes perguntas: Qual é a ideia de cidade construída na obra? Como o filme expressa a relação entre centro e periferia? Saltando à origem histórica do conflito espacial em questão e desenvolvendo um jogo dramático que coloca personagens em movimento entre o centro e a periferia, o filme de Queirós constrói um registro que fricciona documentário e ficção, além de confrontar passado e presente através da montagem, com o objetivo de subverter as “narrativas do progresso” (TSING, 2015) da nação brasileira moderna. Concluímos que este filme figura a periferia brasiliense como uma “presença insurgente” (ADERALDO, 2018) capaz de questionar a utopia modernista que serve como um “manto mito-poético” (HOLSTON, 1993) de Brasília, ofuscando suas origens históricas e os conflitos de classe que explodiram neste processo. A discussão conduzida a partir da leitura de A cidade é uma só? ilumina importantes questões teóricas sobre a relação entre espaço urbano e cinema. Primeiramente, nota-se que as imagens urbanas dos filmes nunca coincidem com as cidades da vida cotidiana (BARBOSA, 2012). Como escreveu Rubens Machado Jr., “no momento em que vemos a cidade construída na tela, seja a que habitamos ou não, podemos dizer que estamos diante de uma outra cidade, distinta daquela que a nossa experiência direta guardou na memória” (MACHADO JR., 1989, p. 2). Isso aponta para uma relação de alteridade entre experiência urbana subjetiva e representação fílmica das cidades. O que o cinema faz com a cidade é uma complexa trama e não pode ser reduzido ao reflexo de realidades sociais. Os filmes produzem duplos: recriam o mundo sob perspectivas particulares – e isso vale para o universo urbano. Uma metamorfose maquínica das cidades (COMOLLI, 2008) é efetuada pelo cinema que, ao deslocar e transformar o que vemos e vivenciamos em nossa experiência urbana, produz “cidades cinemáticas” (CLARK, 1997). Em segundo lugar, notamos que, para além de mero cenário ou superfície que os personagens atravessam, o espaço urbano pode se tornar protagonista de certas obras cinematográficas. Nossa análise identifica esta operação em A cidade é uma só? e busca qualifica-la a partir das estratégias fílmicas agenciadas por Adirley Queirós. Se “nem todas as cidades são cinemáticas” (BRUNO, p. 47, 1997), consideramos que esta obra instaura Ceilândia como uma cidade do cinema. A periferia brasiliense surge no filme, portanto, como as entranhas da cidade modernista. |
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Bibliografia | ADERALDO, G. “Visualidades urbanas e poéticas da resistência”. Antropolítica, Niterói, n. 45, p. 66-93, 2018. |