ISBN: 978-65-86495-05-8
Título | Cinema, música, luz: o jogo atoral de Caetano Veloso em "Tabu" |
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Autor | Isabel Paz Sales Ximenes Carmo |
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Resumo Expandido | Permeado por múltiplas referências, especialmente da música e da literatura, além do próprio cinema, "Tabu" (1982), de Júlio Bressane, inaugura uma nova fase na filmografia do cineasta. O filme traz um encontro imaginado pelo cineasta entre três figuras de relevo da cultura nacional: João do Rio (José Lewgoy), Oswald de Andrade (Colé) e Lamartine Babo, este último interpretado pelo músico Caetano Veloso. Nosso interesse é explorar a escolha do músico pelo cineasta para compor o casting do filme, algo que se repetirá duas vezes mais, em Sermões e O mandarim. Levaremos em consideração a persona artística de Caetano Veloso, construída a partir de seus posicionamentos para imprensa e suas apresentações artísticas, além de seu jogo atoral dentro do filme, ou seja, sua atuação em "Tabu", tomando como linhas de orientação quatro aspectos: a caracterização do personagem, os diálogos, o programa gestual e a performance musical. Apesar de ter participado de espetáculos teatrais e de alguns filmes, Caetano não se considera um ator profissional, realizando trabalhos do tipo de forma pontual. Mesmo assim, é necessário levar em conta a trajetória artística do músico, de forma a compreender as escolhas tanto do cineasta quando do músico-ator que se revela em cena. A constituição do elenco em "Tabu" visa interligar tempos, pensamentos e criações artísticas de diferentes períodos da história brasileira, com uma clara intenção intertextual do cineasta. Através de sua presença, sua persona, sua obra, Caetano realiza uma triangulação do tempo, ligando o modernismo literário-musical, vivido nas décadas de 1920 e 1930, ao movimento tropicalista das décadas de 1960-1970, e também à época atual do "Tabu", filmado num contexto de distensão política e nas vésperas das Diretas Já. Neste sentido, em vez de trabalhar a atuação de Caetano Veloso em performances que exigem técnicas mais específicas, Bressane aposta em sua presença bruta, encarnando não tanto um personagem, mas a si mesmo. Esse fato nos lembra, a cada momento, que não é Lamartine Babo, mas Caetano Veloso que representa, vive ou finge viver como Babo em "Tabu". A figura do músico nunca sai da tela ou da imaginação do espectador, ainda mais quando ele canta, uma voz tão característica que se torna facilmente identificável por aqueles que a conhecem. Isto é evidenciado principalmente pela insistência em gravá-lo cantando, com violão ou a cappella, em som ao vivo, sem o uso de outros instrumentos ou canções previamente dubladas. Esta orientação parece deixar a marca da persona do cantor na superfície do filme, sem confundi-lo com o personagem que deve interpretar, como forma de promover o filme, mas também de assegurar a intertextualidade e a fusão dos tempos. Assim, o Caetano de "Tabu" nunca é dissociado de sua personalidade pública, muito pelo contrário: ao recusar uma técnica de interpretação mais reconhecível, pela encarnação não totalmente fiel do verdadeiro Lamartine, e sobretudo pela interpretação de suas próprias canções, esta figura pública salta para os espectadores, levando a um abismo entre o personagem que se deseja criar na tela e o ator que o incorporaria. A consciência do espectador desta lacuna entre o ator e o personagem com a identificação imediata da instância atuante atenua, ou mesmo apaga, a amálgama entre o ator e o personagem, uma das garantias da ficção no cinema clássico, o que significa, segundo Jacqueline Nacache, renunciar à indispensável “suspensão da incredulidade”. O projeto cinematográfico de Bressane se baseia precisamente nesta suspensão de crença, ou seja, ele frustra constantemente a experiência tradicional de prazer do espectador. Assim, o corpo deste músico/ator não-profissional funciona, tanto quanto os outros dispositivos cinematográficos encenados, como uma forma cinematográfica que colabora nesta ruptura das expectativas de um cinema clássico e na constituição do cinema como poesia experimental. |
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Bibliografia | BRENEZ Nicole, « Sommes-nous les acteurs de notre propre vie? Remarques sur l’acteur expérimental », in Damour Christophe (dir.), Jeu d’acteurs : corps et gestes au cinéma, Strasbourg, Presses universitaires de Strasbourg, 2016. |