ISBN: 978-65-86495-05-8
Título | O paradigma da máxima visibilidade em filmes sobre intersexualidade |
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Autor | Liana Salles Monteiro |
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Resumo Expandido | Ao analisar filmes pornô hard core mainstream dos anos 1970, Linda Williams descobre uma continuidade insólita entre os experimentos fotográficos de Eadweard Muybridge e os modos de filmar e montar desses filmes. Em comum, os dois conjuntos, díspares à primeira vista, empregam estratégias e técnicas que visam a conferir a máxima visibilidade possível ao corpo e ao movimento – o que Williams denomina de “princípio da máxima visibilidade” (Williams, 1989). Se no século XIX, período em que se forja o “frenesi do visível” (Comolli, 1980) e vigora a scientia sexualis analisada por Foucault, Muybridge está empenhado em conhecer e revelar a verdade oculta do movimento a partir de tecnologias fotográficas, nos anos 1970 os filmes pornô hard core consolidam uma estética em que iluminação, enquadramento e som contribuem para “desvendar o mistério” do gozo feminino (que diferentemente do masculino, não pode ser visto de forma imediata). No entendimento de Williams, esse esforço em construir imagens “inequívocas” do gozo feminino se inscreve na scientia sexualis (ou “ciência do sexual”) e sua obsessão pela verdade do sexo. O princípio da máxima visibilidade, produto e pilar da scientia sexualis, pode ser flagrado também nas fotografias de pacientes hermafroditas do século XIX: posicionados com as pernas muito abertas, expondo à câmera a genitália intensamente iluminada, esses corpos estavam sujeitos ao exame minucioso da medicina em torno de sua aparência dúbia – trata-se de uma mulher ou de um homem? A fotografia, por supostamente fornecer uma visão direta dos corpos dos pacientes, como mostram Magali Le Mens/Jean-Luc Nancy e António Cascais, tornou-se instrumento dos processos de designação sexual de pessoas hermafroditas dentro do regime da “verdade do sexo” e do binarismo sexual, em que se entendia que as características “imprecisas” de um corpo (nem feminino, nem masculino, ou ambos) estariam escondendo o verdadeiro sexo do corpo hermafrodita, ou seja, feminino ou masculino. O modo de composição dessas fotografias reaparece em dois longas de ficção contemporâneos: “XXY” (2007), da argentina Lucía Puenzo, e “Arianna” (2015), do italiano Carlo Lavagna. No entanto, em vez de reapresentarem o princípio da máxima visibilidade como citação, os longas empregam diferentes estratégias formais, narrativas e sensoriais que tensionam as imagens fotográficas de corpos hermafroditas/intersexuais, em busca de novas formas não só de representar esses corpos como de vê-los e de senti-los, retirando-os dos limites da medicina e de seu modo de ver característico: distanciado, objetivo, e que transforma o corpo hermafrodita/intersexual em mera genitália. A partir de formulações teóricas tão diversas como a teoria do dispositivo de Jean-Louis Baudry, a “pedagogia dos desejos” de Mariana Baltar e as teorias sobre afeto de Anne Rutherford e Elena del Río, veremos nesta apresentação como os filmes propõem, em sua materialidade e em tensão com as imagens “tradicionais” relacionadas ao hermafroditismo/intersexualidade, outras possibilidades para os corpos intersexuais. |
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Bibliografia | BALTAR, M. SARMET, E. Pedagogias do desejo. Textura. Canoas, v. 18 n. 38, set./dez.2016, p. 50-66. |