ISBN: 978-65-86495-05-8
Título | A PELE QUE HABITO: MORADA MONSTRUOSA E OBJETO DE DESEJO |
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Autor | Ana Caroline Fogaça Barbosa |
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Resumo Expandido | O filme espanhol “A pele que habito”, de 2011, foi dirigido por Pedro Almodóvar e inspirado no romance francês Mygale, de 1995, escrito por Thierry Jonquet. Nesta obra, o corpo feminino é representado paradoxalmente como prisão e prisioneiro da ordem masculina. Além de ser um filme do gênero de terror e suspense também aborda a questão de gênero sexual. Tal obra usa da linguagem cinematográfica para transmitir a atmosfera aterrorizante que, segundo Noel Carrol (1999, p.76), é construída através do estado cognitivo de horror e repulsa em relação à ideia de monstro. Neste trabalho, será apresentado de que modo tais estados são manifestos através da linguagem cinematográfica em relação à ideia ocidental de monstruosidade. A definição de monstruoso adotada é a do ser que possui “proporções descomunais que, com os mais variados aspectos e formas, tem sua origem em mitos ou na fantasia, geralmente trazendo consigo um comportamento violento e ameaçador” (MONSTRO, 2019). Segundo Felinto e Santaella (2012, p.84) a origem do conceito surgiu a partir da mitologia, folclore, contos populares e relatos de viajantes que foram a terras inexploradas. De acordo com Leite Júnior (2007, s/p.): “[...] monstros estão fora dos pré-supostos de ordem, do que é natural ou conhecido e que, frequentemente o conceito é entendido como uma transgressão das leis estabelecidas, inspirando temor, dúvida, punição contra infrações, mas também fascínio, encanto, curiosidade e algo da ordem do desejo”. De acordo com Maldonado Torrres (2019, p. 37), a chegada dos europeus às Américas foi um acontecimento importante para a consolidação cultural do conceito de humanidade e alteridade. Segundo o autor, as diferenças radicais entre indivíduos passaram a ser mais acentuadas pela ideia monoteísta de um Deus criador de tudo, difundida por textos da antiguidade que não contemplavam a descoberta de tais terras. Deste modo, passa a haver uma necessidade de apropriação, classificação e hierarquização com relação a tudo que era novo e desconhecido proveniente dessas terras. Isso se relaciona ao conceito de monstro pois nesse período tudo o que fugia dos preceitos cristãos passou a ser classificado como maligno, a exemplo das práticas pagãs. Tais práticas, muitas vezes, eram realizadas por mulheres cujos respeitados saberes ancestrais relacionados ao corpo e à natureza passaram a ser vistos como ameaças à ideologia cristã. Desde o período da Idade Média, no entanto, se fizeram vigentes modelos que caracterizavam certas condutas e concepções de feminino como boas e ruins. Com elas, se cristalizou o modelo de positivação feminina da imagem de Maria que, segundo Denovac (2016, p.176): “[...] pode ter reforçado ainda mais a visão negativa do feminino e seu corpo, pois somente aquelas que se enquadravam no modelo Mariano, de pureza e castidade e portanto da negação do seu corpo e de seus prazeres eram vistas socialmente como ‘boas mulheres’.” O filme manifesta tais ideais consolidados na cultura e o horror acontece em relação à falta de domínio sobre as intervenções no corpo da protagonista que, na narrativa, se torna cada vez mais possível quanto mais feminino o corpo se torna. Tais intervenções são feitas em função do desejo masculino e uma série de elementos culturalmente atrelados ao feminino são impostos, mas ressignificados como instrumentos de criação artística e libertação. O paralelo entre artista e obra é feito visualmente por todo o filme com planos de objetos artísticos, como quadros, desenhos e esculturas intercalados entre cenas visualmente similares do corpo da protagonista como uma obra a ser modelada contra sua própria vontade pelo cirurgião Robert. O artigo pretende discorrer tais acontecimentos históricos, apontar em maior detalhe elementos da linguagem fílmica que manifestam lapsos reminiscentes do feminino monstruoso na história do ocidente a fim de refletir sobre como estas ideias podem ser articuladas de modo a questionar valores tidos como femininos. |
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Bibliografia | CARROL, Noël. A filosofia do horror ou paradoxos do coração. Campinas: Papirus, 1999. |