ISBN: 978-65-86495-05-8
Título | O cinema de 'pós-continuidade(s)' e a montagem fílmica |
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Autor | Márcia Bessa (Márcia C. S. Sousa) |
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Resumo Expandido | A partir de especificidades e definições dos conceitos de “continuidade intensificada” – como sendo “a continuidade tradicional aumentada, elevada a um nível maior de ênfase” (BORDWELL, 2006, p. 120) – e de “pós-continuidade” (SHAVIRO, 2012) – que privilegia o imediatismo e a sensorialidade ilimitados –, e seus reflexos formais no blockbuster hollywoodiano contemporâneo, depreendemos que a essência do paradigma clássico permanece viva sobretudo nos raccords centrados nos eixos de ação e olhar e na montagem que respeita a intenção dramática e a causalidade. Os padrões tecno-estéticos e os recursos tecnológicos utilizados em prol de uma experiência cinematográfica mais imersiva não são propriamente a negação do modelo dominante, que permanece transmutado em novos e singulares estilos fílmicos das últimas duas décadas e influenciam longas-metragens comerciais de uma maneira geral. Segundo Jullier e Marie (2009, p. 216), as tecnologias digitais, cada vez mais avançadas, viabilizaram a transição de um cinema teatral (do quadro-palco) para outro pictórico (do quadro-mutante) e, cenas inteiras se efetivam através de códigos alfanuméricos, compostas pela sobreposição dos “planos-telas” e por imagens hiper-realistas. O cinema dominante absorve muitas dessas inovações, incorporando-as ao seu próprio sistema e garantindo sua manutenção. E isso acontece em síntese revisando e ramificando a noção de “continuidade intensificada”, como propõe David Bordwell, ao dizer que “[...] Longe de rejeitar a continuidade tradicional em nome da fragmentação e da incoerência, o novo estilo equivale a uma intensificação das técnicas estabelecidas” (2006, p. 120). As regras de continuidade fundamentaram as bases do cinema clássico narrativo, refletindo-se, particularmente, no sistema de representação naturalista hollywoodiano. Como nos diz Amiel (2007, p. 22), a historiografia do cinema, assenta-se no próprio princípio da decupagem clássica. “E ainda hoje, evidentemente, a maioria dos filmes utiliza esta convenção, segundo a qual as imagens devem contar uma história, participar num projecto de narrativa”. A história mantém o espectador suspenso e impõe uma escrita fílmica que liga os planos entre si, dando-lhes equilíbrio individual para que só possam ser apreciados e entendidos em sua sucessão contínua. E as próprias transformações pelas quais vem passando o cinema dominante ao longo de sua trajetória de existência vêm servindo de sustentáculo para a reafirmação do cinema Hollywoodiano como forma de contar histórias audiovisuais pela continuidade de fatos e pela contiguidade da lógica espaço-temporal fílmica. Das vanguardas audiovisuais ao cinema de “pós-continuidade” (SHAVIRO, 2012), discursos dissonantes e rupturas propostas, que possibilitaram reflexões e avanços essenciais à evolução e sobrevivência da produção cinematográfica não romperam completamente com os ditames do sistema de continuidade, mantendo o cinema clássico narrativo ainda como o modelo dominante nos circuitos comerciais ocidentais. Sendo assim, quais seriam as consequências para a montagem fílmica dos apelos sensoriais, espetaculares, hiperativos e computacionais levados ao extremo? Esse cinema de excessos de sensações não impõe certos limites à edição audiovisual, que fica presa ao objetivo primordial de emocionar forte e imediatamente? A edição frenética e espetacular desse “neurocinema” (SHAVIRO, 2011, p. 153) eliminará totalmente a subjetividade em prol de um envolvimento intenso, contínuo e quase físico do espectador? O filme tradicionalmente narrativo está fadado a desaparecer no Século XXI? Quem sabe a “pós-continuidade” nos aproxime mais das fantásticas curiosidades pré-cinema e do espantoso “cinema de atrações” (GUNNING, 1995, p. 56) do que propriamente dos filmes da Era de Ouro de Hollywood? Acreditamos que as potencialidades do cinema de “pós-continuidade(s)”, e suas relações com a montagem fílmica, possam trazer respostas a esses e a outros questionamentos. |
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Bibliografia | AMIEL, Vincent. A estética da montagem. Lisboa, PT: Edições Texto & Grafia, 2007. |