ISBN: 978-65-86495-05-8
Título | A imagem do segredo e o segredo da imagem |
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Autor | Gustavo Mota Alves Assunção Nogueira (Gustavo Maan) |
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Resumo Expandido | Ao longo da história brasileira, os ritos afro-diaspóricos foram sistematicamente perseguidos, sendo uma das práticas religiosas mais duramente reprimida desde o Brasil Colônia. Os terreiros resistiram ao longo dos tempos criando, para isso, táticas de sobrevivência e mecanismos de defesa. É possível apontar que o estabelecimento de um secretismo, que limita o acesso público a certos tipos de cerimônia, possa fazer parte desse tipo de estratégia, permitindo discrição e sigilo para algo condenado pelo poder estatal e senhoril. Para além de uma questão tática, o segredo é parte intrínseca da estrutura de conhecimento das religiões afro-brasileiras. Isso porque seu sistema de informação é pautado na transmissão oral, altamente regulada pelos seu contexto relacional, revelando algo sempre levando em conta quem fala, o que se fala, como se fala e, obviamente, para quem se fala (SILVA, 2011). Podemos dizer que existe então, nesse ponto, uma certa incongruência entre cinema e candomblé, já que o caráter de exibição cinematográfica se destaca por ser um evento público e indiscriminado, ao contrário do que é possível conferir nas dinâmicas de um terreiro. Um filme, exibido abertamente, não impõe de início qualquer distinção entre os espectadores, tendo na tela as imagens disponíveis para que qualquer um possa vê-las. É pensando nessa relação entre cinema e candomblé a partir do problema do segredo que procuraremos desenvolver nosso trabalho. Utilizaremos para isso dois filmes que formam entre si um par de oposições, compondo entre suas afinidades e tensões um ativo debate acerca da representação das religiosidades afro-brasileiras no cinema. São eles Iaô (1976), de Geraldo Sarno e Iyá-mi-agbá - Mito Metamorfose das Mães Nagô (1981), de Juana Elbein dos Santos. Ambos os documentários estão empenhados numa aproximação da realidade religiosa. A questão é que divergem diametralmente de como chegar a sua verdadeira expressão por meio do cinema. Para Sarno, esse real surge a partir de um olhar objetivo e atento, em uma captação filiada aos desejos do realismo bazaniano — seus planos sequência e sua forma contínua de montagem (BAZIN, 2014). Para Juana, cabe ao cinema uma função estritamente descritiva e metafórica, sendo ele ferramenta para construção de um pensamento simbólico, usando para isso a tradição da montagem intelectual eisensteiniana (EISENSTEIN, 2002). De certa forma, o dispositivo de Mito e Metamorfose acaba por reforçar uma dicotomia entre o visto e o vivido (DIDI-HUBERMAN 2020), não podendo a experiência como espectadores se aproximar diretamente da experiência religiosa. O sagrado é envolto de um segredo inviolável, cabendo ao filme operar uma forma indireta de montagem que deforma as condições objetivas da realidade para que se possa chegar ao rito enquanto conceito abstrato (EISENSTEIN, 2002). Por outro lado, no filme de Sarno, estamos diante de uma câmera que encontra certas impossibilidades representativas mas insiste mesmo assim em encará-las diretamente. A montagem não é o principal meio de veiculação da ideia, e sim o próprio plano. O documentário é criado a partir de uma decupagem baseada sobretudo nos momentos rituais, nos procedimentos e nas ferramentas, calcando seu registro na realidade material da liturgia. Para além de uma análise individualizada, partimos da perspectiva de que ao se posicionar uma peça diante da outra, é formulada uma alteridade mútua que possibilita um entendimento mais claro de suas respectivas localizações no mundo (SOUTO, 2019). Avaliando o nosso caso específico, podemos perceber que estamos diante de uma dupla encruzilhada, onde encontramos entrelaçados dois documentários e dois sistemas de comunicação (cinema e religião). É a partir dessa perspectiva relacional que pretendemos enveredar nossa análise, procurando destrinchar quais foram as relações estabelecidas pelos cineastas — em oposição ou confluência — entre cinema e candomblé, câmera e segredo, montagem e magia. |
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Bibliografia | BERNARDET, JC. Cineastas e imagens do povo.SP: Companhia das letras, 2003. |