ISBN: 978-65-86495-05-8
Título | Compulsão ou morte! COVID-19, binge-watching e survivorship |
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Autor | Julio Bezerra |
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Resumo Expandido | O chamado binge-watching consiste na prática de assistir a conteúdos informativos ou de entretenimento por um período prolongado, como o hábito de se assistir a vários episódios de uma série em sequência. Não se trata propriamente de um método novo, muito menos circunscrito às plataformas de streaming. Contudo, nos últimos anos, as mudanças no sistema de distribuição do conteúdo audiovisual via streaming, por meio de serviços de vídeo sob demanda, alteraram significativamente as possibilidades de fruição, com a promessa de uma experiência mais autônoma, personalizada e autoptogramada. Em 2013, a Netflix revelava, através de pesquisas internas, que 73% de seus assinantes assistiam de dois a seis episódios do mesmo conteúdo de uma só vez. Em outras palavras, como a própria Netflix alardeava há quase dez anos: “o bing-watching é o novo normal”! O termo “binge” designa em inglês um ato excessivo ou compulsivo de consumo, comumente atrelado a atividades como a ingestão exagerada de comida ou álcool. “Binge-eating” e “drink binge” são, portanto, expressões que carregam conotações evidentemente negativas. Não é a toa que, conforme demonstrado por Caetlin Benson-Allott, até hoje os estudos sobre o consumo audiovisual compulsivo muitas vezes se baseiam em metáforas de embriaguez, distração ou vício. A prática é vista com desconfiança, atrelada a sentimentos de solidão e depressão, embalando narrativas apocalíticas sobre o contexto audiovisual. Contra essa tendência talvez ainda hegemônica, percebe-se cada vez mais que a pandemia do COVID-19 vem forçando pesquisadores a repensarem o status do consumo audiovisual compulsivo. A COVID-19 e a subsequente vida em confinamento, distante do contato com outras pessoas, tem certamente intensificado nosso apego às telas e o que elas nos oferecem. No entanto, essa nova e inesperada conjuntura vem promovendo uma reviravolta surpreendente nas ainda recentes pesquisas sobre o consumo audiovisual, sobretudo no que diz respeito ao binge-watching. Outrora vinculado à compulsão e sentimentos de vergonha, culpa, exaustão e arrependimento, o binge-watching vem sendo associado a noções mais positivas, como a ideia de antídoto, comunidade, dever cívico e saúde mental. Esses desdobramentos apontam para a necessidade de repensarmos esse modo agora dominante de espectador doméstico, especulando sobre novas teorias da compulsão. Esta apresentação caminha neste sentido, apoiada pelas reavaliações em curso sobre a prática do binge-watching. Neta Alexander, por exemplo, se apega a curiosa métrica de planejamento e produção da Netflix chamada “survivorship” (“quantas pessoas que começaram a assistir ao primeiro episódio continuaram assistindo a temporada inteira”), sugerindo como, de forma absolutamente irônica, a expressão parece dar conta do sentimento que grande parte dos binge-watchers descrevem em suas relações com as plataformas de streaming. Esse é o desafio no horizonte: reavaliar a compulsão não mais exclusivamente como um modo de consumo excessivo ou incontrolável, contaminada pela face mais neoliberal e selvagem do capitalismo contemporâneo, mas reformulada como uma forma de autocuidado. Questões importantes se vislumbram: a compulsão seria uma atividade individual ou comunitária? Talvez possa ser pensada como uma forma de sobrevivência? Como ela se associa aos outros rituais popularizados em meio à pandemia? |
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Bibliografia | BENSON-ALLOT, Caetlin. The Stuff of Spectatorship: Material Cultures of Film and Television. Oakland: University of California Press, 2021. |