ISBN: 978-65-86495-05-8
Título | Variações da empregada doméstica no cinema latino-americano recente |
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Autor | Lígia Maciel Ferraz |
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Resumo Expandido | O tema das classes sociais e da representação da classe trabalhadora latino-americana é relevante nos estudos fílmicos há décadas e, historicamente, é fomentada com discussões centradas sobretudo nas figuras do operário, do camponês e do indígena. Tais análises negligenciam o trabalho doméstico, pois, como demonstra a Teoria da Reprodução Social, o serviço realizado na esfera privada é frequentemente desassociado da sua função produtiva. Com o início dos processos ditatoriais e o crescimento do neoliberalismo em diversos países da região, a tendência de documentários em primeira pessoa potencializou as reflexões intimistas, propiciando um novo olhar voltado à esfera doméstica (ARENILLAS; LAZZARA, 2016). No século XXI, María Julia Rossi (2020) aponta um paradoxo representacional a respeito do serviço doméstico: ele é simultaneamente onipresente e invisível. Mariana Souto (2016) resgata as discussões acerca da representação do proletariado no cinema brasileiro e incorpora a empregada como figura fundamental na compreensão atual sobre as tensões entre classes. Deborah Shaw (2017) percebe o crescimento de filmes latino-americanos que abordam o convívio íntimo entre patrões e empregadas no espaço doméstico e enquadra essas obras como parte um "novo gênero temático". Para a autora, esse fenômeno marca um momento coletivo em que os cineastas reconhecem a necessidade de mudar o foco para as interações íntimas e diárias no lar para compreender as manifestações profundas de desigualdades sociais e nacionais. O crescimento de filmes protagonizados por empregadas domésticas desde o início do século XXI destaca a necessidade de analisar tal figura com mais profundidade. O livro Domestic Labor in Twenty-First Century in Latin American Cinema (2020), traz artigos que analisam comparativamente filmes da região que abordam o trabalho doméstico e inclui uma filmografia com 44 filmes de nove países da América Latina (com maior expressão da Argentina, do Brasil, do Chile e do México). A obra expõe a relevância do tema, e aposta no diálogo entre filmes de países de línguas portuguesa e espanhola da região. Diante deste contexto, apresentaremos uma coleção de filmes que abordam o trabalho doméstico na América Latina, contemplando longas e curtas-metragens, documentários e ficções. Em seguida, recorreremos ao método das constelações fílmicas (SOUTO, 2016), em que os filmes são postos em relação a partir eixos distintos (estéticos, narrativos ou temáticos). Essas constelações têm por objetivo indicar as potencialidades de aproximar tais filmes por suas semelhanças, assim como de destacar as suas diferenças formais. Portanto, os filmes La mujer sin cabeza (Lucrecia Martel, 2009), Aquarius (Kleber Mendonça Filho, 2016) e Do outro lado da cozinha (Jeanne Dosse, 2013) aproximam-se diante de uma abordagem fantasmagórica da trabalhadora doméstica. De outro modo, os filmes Roma (Alfonso Cuarón, 2018), Que horas ela volta? (Anna Muylaert, 2015) e La Nana (Sebastián Silva, 2009) possuem temáticas parecidas: empregadas que vivem na casa dos patrões e lidam com as dinâmicas de intimidade e distância que ocorrem no espaço doméstico. Outra constelação é entre Play (Alicia Scherson, 2005), La noiva del desierto (Valeria Pivato e Cecilia Atán, 2017) e A teta assustada (Claudia Llosa, 2009), cujas protagonistas são cuidadoras ou empregadas domésticas, mas desenvolvem-se na narrativa para além dos seus ofícios. Esta apresentação observa que a tendência recente de filmes que trabalham com a figura da empregada doméstica engloba obras plurais estética e tematicamente e que a apresentam de modo diverso. Além disso, a presença da empregada nos filmes, mesmo que de forma marginal, potencializa as discussões acerca das relações de classe atuais, em que o espaço doméstico torna-se um território de reprodução de dinâmicas hierárquicas. |
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Bibliografia | ARENILLAS, M. G.; LAZZARA, M. J. (Orgs.). Latin American documentary film in the new millennium. New York: Palgrave Macmillan, 2016. |