ISBN: 978-65-86495-05-8
Título | A construção de atmosferas fantasmagóricas no roteiro de Los Silencios |
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Autor | Natália Mendes Maia |
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Resumo Expandido | No filme “Los Silencios” (2017), segundo longa-metragem escrito, dirigido e produzido por Beatriz Seigner cujo roteiro foi publicado pela editora Autonomia Literária em 2019, Amparo e seus dois filhos, Núria e Fábio, fogem do conflito armado na Colômbia e desembarcam na Ilha da Fantasia, fronteira entre o país, o Brasil e o Peru. A vida da família se altera quando o fantasma do pai, Adão, reaparece misteriosamente em sua nova casa. O fantasma é uma entidade das margens, “que habita no território impreciso entre a vida e a morte; localiza-se na dimensão do ‘entrelugar’” (FELINTO, 2008, p. 21). Essa morada fronteiriça, no plano geográfico, é também do fluxo da memória. De acordo com Marçal (2020), ao conhecer a Ilha da Fantasia e suas histórias de fantasmas e incorporações, Seigner aprofundou a mitologia da narrativa. Adão é um fantasma que ocupa espaços da intimidade. Também Núria, filha silenciosa do casal, descobre ser um fantasma. Os corpos dos dois são marcados por adornos fluorescentes, que mais tarde se revelam marcas que separam os mortos dos vivos. O filme se desenvolve em uma tensão entre documentário e ficção, evidente na sequência da assembleia dos mortos. “É a cena mais potente do filme, é o ápice do filme. Então para mim o lugar desse encontro entre a ficção e o documentário, entre essas fronteiras. E eu acho que ali a gente chegou num lugar muito potente, narrativamente. Foi essa costura. E aí que eu descobri que a cena que eu tinha escrito, que eu achava que era sobre o tratado de paz, era sobre o perdão. A questão era muito mais profunda” (SEIGNER, 2019c, apud MARÇAL, 2020, p. 184). Para Felinto (2008, p. 57), “[O fantasma] constitui a parcela de irrealidade que contamina irreflexivamente toda tentativa de realismo”. Depois da assembleia, Amparo recebe a caixa com os ossos de Adão e Núria e pode concluir o rito de passagem. Seigner escreve, na última cena do roteiro: “EXT. NOITE. CANOAS DO FINAL DO RIO. Amparo e Fábio depositam num pedaço de chão de madeira flutuante as roupas de Adão e de Núria, e a caixa com seus ossos. Algumas pessoas fazem o mesmo, com outras roupas, e objetos. Atam fogo. Abuelita começa a puxar uma música xamânica. As demais pessoas da comunidade se unem a seu canto. Voltam para sua canoa. Amparo e Fábio observam o fogo. As canoas estão em círculo em volta do chão flutuante com a fogueira no meio. Índios com pinturas, colares e cocares em neon aparecem entre a comunidade que canta. Em seguida, aparecem também, entre as pessoas que cantam nas canoas, os fantasmas da assembleia com pinturas indígenas fluorescentes nos rostos. Na canoa de Amparo, Fábio e Abuelita, aparecem Adão e Núria. Fecham os olhos, e suas pálpebras reluzem fluorescentes”. Em “Los Silencios” podemos observar uma “continuidade subterrânea”, conceituada por Marguerite Duras a partir no roteiro de “Hiroshima Meu Amor”, conforme Leverdière (2022, p. 12): a autora rodeia as palavras de silêncios e se detém sobre uma história abrangente de acontecimentos e personagens que o filme não explica. Interessa refletir como as atmosferas nas cenas do roteiro são construídas por meio da presença desses fantasmas. Inês Gil (2012) afirma que a atmosfera fílmica é algo fugidio, com a capacidade de exprimir o não figurável, intangível e abstrato. “A atmosfera temporal de um plano, de uma cena ou de um filme está ligada ao ritmo de cada um e da sua própria montagem. Os ritmos das formas, dos movimentos e dos sons relacionam-se entre si e criam sentidos” (Ibidem, p. 145). Esse conceito se relaciona com o de Stimmung, trabalhado por Gumbrecht (2011). Ao discorrer sobre a atmosfera na literatura, ele aponta que a representação não é o centro da questão, mas uma atenção às formas que envolvem nosso corpo enquanto realidade física. "A ânsia pelo ambiente e pela atmosfera é uma ânsia pela presença" (Ibidem, p.32). Ao propor a designação “atmosferas fantasmagóricas” é feita uma aproximação com o “realismo fantasmagórico” (MELLO, 2015) |
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Bibliografia | DURAS, Marguerite. Hiroshima Meu Amor. Belo Horizonte: Relicário, 2022. |