ISBN: 978-65-86495-05-8
Título | Configurações do poder desaparecedor - O botão de pérola |
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Autor | Ana Daniela de Souza Gillone |
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Resumo Expandido | Narração, depoimentos, imagens de arquivo – de etnias indígenas desaparecidas que habitavam o Chile e de militantes políticos desaparecidos na ditadura militar de Augusto Pinochet (1973-1990) – ilustrações, sons diversos compõem um mosaico narrativo de repúdio às opressões em O botão de pérola (El botón de nácar, Espanha/ França/ Chile/ Suíça, 2015) de Patricio Guzmán. Diferentes vozes contam as histórias de desaparecimentos de indígenas durante a colonização e de pessoas que viveram a ditadura militar chilena até chegar à atualidade, onde a violência do dispositivo "desaparecedor” segue em pleno funcionamento. Referimo-nos ao conceito de dispositivo de desaparecimento desenvolvido pela cientista política argentina Pilar Calveiro (2006), que identifica sua configuração por meio das ações de poder cívico-militar que envolvem desaparecimentos de corpos e práticas disciplinares. Define assim que, em suma, o dispositivo de desaparecimento de pessoas e corpos envolve, através da fragmentação e burocratização, mecanismos para diluir a responsabilidade, equalizá-la e, em última instância, fazer com que desapareça. A análise da configuração do passado como o tempo de reconhecimento crítico das opressões vivenciadas no Chile está ancorada na discussão de como as imagens e sons colaboram com a construção de temporalidades e de regimes de presença/ausência, em uma contração do passado e do presente. Tempo denso e memorial que permite a percepção de um poder ligado a desaparecimentos em termos gerais, nos quais o passado pode estar ligado ao presente. Essa memória, dependente do presente, constituída por depoimentos e imagens, não percebe o passado como acervo constituído e fechado. De acordo com a visão benjaminiana, o acontecimento lembrado é sem limites, porque é apenas uma chave para tudo o que veio antes e depois” (BENJAMIN, 1994: 37). Os acontecimentos representados no filme remetem à presença unificada de um mundo de desaparecimentos. Uma ficção construída entre as mediações da dimensão empírica e a definição de uma realidade própria. Em suma, um mundo articulado como tal, um mundo possível representado e definido com sua dimensão orgânica, unitária e espaciotemporal. Para a análise deste mundo construído, prioriza-se identificar o dispositivo desaparecedor por meio dos detalhes. A configuração deste mundo que ressignifica a memória de desaparecimentos recorre a diferentes modos de filmagem e de montagem. Busca-se identificar a configuração da memória de desaparecimentos, considerando o agenciamento dos planos ou mesmo um plano específico. Subsequentemente é possível interrogar: de que maneira se relaciona um plano com uma cena anterior ou posterior para a construção do mundo representado (um construto da memória dos desaparecimentos e opressões vividas no Chile)? Essa dinâmica de análise baseia-se no que Francesco Casetti e Federico di Chio definem como os três principais níveis em que a imagem cinematográfica é articulada. Primeiro nível diz respeito a mise en scène (ao conteúdo da imagem apresentada). Segundo nível: a configuração no quadro (modo de apresentação da cena) e terceiro nível: a serialização (trabalho de montagem e as relações entre as imagens) (Casetti/di Chio, 1991: 126). Nesse sentido, torna-se necessário, em vez de distinguir todas ou apenas unidades diferentes, perceber como as estruturas estão associadas à memória do desaparecimento em vários níveis e que compreendem, por sua vez, a todo o filme. O próximo passo será, então, estudar como se apresentam e se articulam entre si o espaço e o tempo do mundo construído em O botão de pérola. Parece-nos que a ideia de obter uma certa representação do poder desaparecedor resulta na manipulação dos elementos da realidade representada que são convenientes para reconstruir as situações que compõem o texto fílmico. |
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Bibliografia | Barthes, Roland. A Câmara Clara. Nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. |