ISBN: 978-65-86495-05-8
Título | “Fucking rich people”: necroliberalismo dos infernos! |
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Autor | Diego Paleólogo |
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Resumo Expandido | O audiovisual oferece performances, formas como podemos experimentar a vida. São pedagogias, epistemologias, éticas que podem funcionar como cartografias afetivas ou fagulhas que incendeiam subjetividades, despertam sonhos e mobilizam afetos. A cultura pop e o cinema mainstream são engenharias audiovisuais complexas nas quais, através de microfissuras e rachaduras, podemos vislumbrar as reificações e fantasmagorias de questões, ansiedades, angústia, medos e desejos de cada época. Reduzidas à fantasias ou sublimadas através de extrema violência, encantadas pela técnica ou aprisionadas em um roteiro inconsistente, as questões de uma época, o Zeitgeist cintila e pulsa nas narrativas. As pesquisas que venho realizando se inclinam no sentido de esgarçar essas fissuras, essas brechas, e convocar as produções audiovisuais da cultura pop para as potências políticas, éticas e estéticas da contemporaneidade. Na competição por uma vaga de gerente, para provar que é melhor que seu adversário, Christine Brown nega a prorrogação dos prazos de pagamento das prestações da casa de uma idosa. Horas após o casamento perfeito, Grace, que desejava pertencer a uma família, se encontra em um jogo doentio de vida ou morte. Crystal acorda amordaçada, no meio de uma floresta, e começa a ser caçada. Arraste-me para o Inferno (Sam Raimi, 2009), Casamento Sangrento (Matt Bettinelli-Olpin, Tyler Gillett, 2019) e A Caçada (Craig Zobel, 2020) são filmes que abordam, através das lentes do terror, os efeitos radicais das políticas neoliberais, as lutas de classes e as fantasias perigosas que assombram o imaginário capitalista contemporâneo. É possível notar que as narrativas tornam-se cada vez mais diretas e despidas de complexas alegorias. Nessa cartografia, é possível iluminar também Uma Noite de Crime (2013), The Belko Experiment (2016), Chucky (tanto filme quanto série, respectivamente, 2019 e 2021), Escape Room (2019), Bacurau (2019), Coringa (2019), Parasita (2019), O Poço (2019), Nós (2019), e Antebellum (2020). Todas essas narrativas apontam que há algo de perverso, sádico e sem limites no acúmulo de capital e na manutenção de hierarquias de poder. A pedagogia propõe uma relação íntima entre riqueza e crueldade. A atualização incessante das máquinas coloniais de captura, expropriação e destruição, acopladas aos regimes moleculares e fluídos de mercado, subjetividade e afetos, produz um cenário instável, em constante ebulição. Assimetrias sociais e econômicas, relações de poder e controle, privilégios alocados nos corpos (raça, gênero, sexualidade), tornam-se os territórios dos quais novas narrativas emergem ou antigas são atualizadas. Se os filmes de terror das décadas de 80 e 90 não mapeavam essas questões, ou faziam de forma sutil e apagada, a luta pela sobrevivência em um mundo hostil, no qual práticas econômicas e do mercado são integradas às produções de subjetividades, passa a ser ethos e pathos de um certo cinema de terror do século XXI. Jogos Mortais (2004) e Jogos Vorazes (2012) são exemplos dessas dinâmicas de competitividade, narcisismo e individualismo como políticas cotidianas. Trata-se da terrível compreensão de que a desumanização e insensibilidade tornam-se valores celebrados em sociedades neoliberais nas quais as sobrevivências dependem mais dos indivíduos do que das políticas públicas, direitos básicos e bem estar social. O medo do colapso social e econômico é fantasmagorizado e retroalimentado nessas narrativas. "Fucking rich people!" é um desabafo de Grace em Casamento Sangrento, no momento em que ela tenta pedir ajuda e não consegue. Esse desabafo condensa a crescente insatisfação e precariedade de populações cada vez mais desamparadas financeiramente, enquanto uma parcela mínima detém as maiores fortunas do planeta. |
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Bibliografia | Cabanas, Edgar. Illouz, Eva. Happycracia: fabricando cidadãos felizes. Ubu Editora, São Paulo, 2022. |