ISBN: 978-65-86495-05-8
Título | Cintilações transgressivas: algumas considerações sobre John Akomfrah |
|
Autor | Rodrigo Sombra |
|
Resumo Expandido | Formado por imigrantes e filhos de imigrantes oriundos das antigas colônias britânicas, o Black Audio Film Collective (1982-1998) desempenhou papel de relevo na paisagem audiovisual inglesa da década de 80. Pioneiro na abordagem experimental de temas ligados à cultura diaspoórica na Inglaterra, o coletivo explorou diversos meios expressivos ao longo de 16 anos de atividade: slide-tape, filme, fotografia, vídeo, instalação. Aliadas à produção artística, as atividades do BAFC incluíam a oferta de oficinas de criação cinematográfica, curadorias, a participação em foros acadêmicos e intervenções críticas em diversas publicações especializadas. O coletivo esboçava assim um projeto abrangente cujo objetivo último, sugere o seu mais destacado membro, John Akomfrah, era “inventar uma cultura do cinema negro, o que também significa criar uma infraestrutura – revistas, seminários, cursos, um debate sobre cinema, isto é, um público” (1989, p.45). As iniciativas curatoriais levadas a cabo pelo BAFC seriam vitais neste sentido e elas são objeto de especial interesse desta apresentação. De um lado, elas refletiam o impulso de forjar uma genealogia transnacional do cinema negro, evidenciada na atenção a obras da L.A. Rebellion, aos filmes do cubano Sergio Giral e ao trabalho de expoentes africanos como Mambéty e Sembène. Por outro, interessa-me ressaltar como as escolhas curatoriais do coletivo explicitavam o seu alinhamento à tradição dos cinemas novos latino-americanos. A entonação experimental das buscas estéticas inauguradas pelo BAFC ficou marcada por desestabilizar as expectativas reducionistas acerca das possibilidades expressivas franqueadas a cineastas negros na Inglaterra dos anos 80. Ao impor linguagens novas, as obras do coletivo subvertiam “a costumeira divisão do trabalho cinematográfico independente entre a vanguarda do primeiro mundo e o ativismo do terceiro” (FUSCO, 1988, p.8). O apelo à inovação formal, no entanto, resultava em objeções contumazes. Numa tentativa de sintetizar a trajetória do BAFC, com destaque para a controvérsias raciais nela envolvidas, Akomfrah adota uma periodização curiosa: “Entre 1982 e 1985, brigávamos o tempo todo com os brancos, e entre 1985 e 1988 brigávamos o tempo todo com os negros. Era meio estranho, mas aquela era uma discussão necessária em ambas as frentes” (2018, p.110). Os choques no interior dos círculos diaspóricos decorriam da atitude estética cultivada pelo coletivo. Não raro, a vontade de engendrar novas formas era observada com suspeição. Para realizadores e ativistas negros identificados com a ortodoxia documentária, as criações experimentais do BAFC operavam um desvio, sendo impermeáveis ao esforço de comunicabilidade do tipo de arte politizada por eles professada. Por outro lado, aquelas mesmas ambições vanguardistas geravam outros tensionamentos na majoritariamente branca cultura cinematográfica britânica, a começar pelo modo como as ideias de África, negro e diáspora eram assimiladas nesses espaços. As polêmicas despertadas pelo BAFC encontrariam numa querela pública com o escritor Salman Rushdie o seu episódio mais célebre. Em resposta à estreia de As Canções de Handsworth (1986), documentário de Akomfrah dedicado aos levantes raciais ocorridos em Birmingham no ano anterior, Rushdie publicaria no The Guardian um libelo contra o filme, acusando-o de aderir a uma forma experimental ao preço de silenciar a voz dos imigrantes nele retratados. Três dias depois, em carta ao mesmo jornal, o texto seria rebatido ferozmente por Stuart Hall, aliado histórico do BAFC. Revisitar a disputa entre Hall e Rushdie nos permite compreender as tensões decorrentes dos esforços por alargar os horizontes da criação estética negra defendidos pelo BAFC. Convida-nos a pensar ainda acerca da própria concepção de “cinema negro” cultivada por Akomfrah, prática artística de feições polifônicas, especulativas, irredutível desde suas origens às pressões por transparência e às chantagens da autenticidade. |
|
Bibliografia | AKOMFRAH, J. Hackney meets Hollywood. Entrevista concedida a John Fitzpatrick. Living Marxism, Londres,, n. 11, p. 45, Sept. 1989. |