ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | Identidade, modernidade e experiência em “Os Banshees de Inisherin” |
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Autor | José Augusto Mendes Lobato |
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Resumo Expandido | A relação entre os processos de mediação e midiatização promovidos pela comunicação em larga escala e um certo declínio ou crise de experiência é objeto de reflexão consagrado. Nessa perspectiva, que alude a autores tão distintos como Walter Benjamin (1996), Giddens (2002) e Flusser (2007), tem-se na profusão de conteúdo um problemático indutor de certa cultura vicária, pautada no distanciamento do indivíduo em relação aos objetos reais/materiais e em uma crescente pobreza no modo como estruturamos experiências estéticas. Tomando, sob esta temática, a mediação de identidades e alteridades no audiovisual como objeto de reflexão, promovemos uma análise sobre a obra “Os Banshees de Inisherin” (2022, dir. Martin McDonagh, 1h54min, Irlanda/Reino Unido/EUA). Partimos, ancorados em Hall (2001; 2016), Woodward (2000) e Gomes (2008), da premissa de que o processo de desenho da identidade e da alteridade ocorre fundamentalmente por meio de representações, manifestas em diferentes sistemas de linguagem e, naturalmente, presentes nos produtos audiovisuais. A partir de Bhabha (1998), também notamos que a tradução é etapa indissociável do encontro com a alteridade – na linha de como transcorrem os processos de ancoragem e objetivação, nos termos de Moscovici (2003), das representações sociais. Assim, as produções audiovisuais são um campo fértil para o desenho do que denominamos narrativas de alteridade (Lobato, 2017). Somamos tal debate à necessária discussão sobre a crise de experiência na contemporaneidade. Norteados em especial por Benjamin (1996), detectamos a fagulha de uma crise na modernidade, na qual “uma nova forma de miséria surgiu com esse monstruoso avanço da técnica, sobrepondo-se ao homem”, sendo “preferível confessar que essa pobreza de experiência não é mais privada, mas de toda a humanidade” (Benjamin, 1996, p. 115-116). A análise do autor nos revela de que modo o declínio da experiência se relaciona à profusão da vivência, mais fugaz e instrumental, nos romances ou na narrativa de informação. Esse debate se relaciona ainda a Giddens (2002, p.12) e seu debate sobre a segregação da experiência, que “tem influenciado tanto a auto-identidade quanto a organização das relações sociais”. Esta discussão também é travada nos estudos da cultura visual e audiovisual. Vilém Flusser (2007) sinaliza em sua análise da imagem e dos processos de codificação uma distinção específica no campo das imagens técnicas: conduzir do concreto ao abstrato, priorizando a visualização sobre a conceituação. Para o autor, em uma famosa analogia, “as fotografias e a explicação são mediações entre mim e a pedra; elas se colocam entre nós, e me apresentam à pedra. Mas posso também ir diretamente de encontro à pedra e tropeçar nela” (Flusser, 2007, p.111). Impõe-se assim uma dicotomia entre viver diretamente as coisas e consumir representações que podem e tendem a substitui-la, crítica necessária ao campo do audiovisual e suas experiências vicárias. À luz dessas contribuições, partimos à análise de “Os Banshees de Inisherin” e identificamos que a obra pode ser compreendida como um duplo exercício de reflexão sobre a experiência na modernidade: um concernente ao espaço diegético, ligado à personagem de Colm (Breendan Gleeson) e sua conduta decorrente de uma crítica à própria vida, que se traduz na negação do que fez até ali e, em particular, na rejeição do amigo Pádraic (Colin Farrell); e outro, atrelado à própria estrutura fílmica como exercício de narração de alteridade, tendo a guerra civil irlandesa e os padrões de vida rurais do país no início do século XX como uma segunda camada de intriga. Depurando os elementos estruturais da narrativa e a tessitura dos conflitos, compreendemos que a composição dramática enfatiza, na representação do humano em crise, reflexões sobre a experiência e seus desajustes, além de ser, ela própria, exemplo dos processos de mediação de identidade e alteridade na cultura contemporânea. |
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Bibliografia | BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1996. |