ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | Cinema é travessia: escrevivências de mulheres negras no curtametragem |
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Autor | Quézia Maria Lopes Gomes da Silva Ribeiro |
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Resumo Expandido | Pesquisa recente (2018), do Gemaa e da Ancine, analisou 142 longas-metragens comerciais brasileiro, lançados em 2016, e constatou que nenhuma mulher negra dirigiu ou roteirizou um longa-metragem comercial nesse período. Considerando essa conjuntura, traçamos um percurso de escrevivência cinematográfica e acadêmica, no qual dialogarei com as obras e suas realizadoras a partir de uma perspectiva autoetnográfica, inserindo na pesquisa acadêmica as “narrativas de si”, a narrativa em primeira pessoa. No esforço de decolonizar a prática da pesquisa acadêmica a partir do lugar que exerço como pesquisadora, me insiro também como sujeito e protagonista nesse processo de construção de conhecimento. Tomar o corpo como ponto de partida, permite uma metodologia e uma abordagem interseccional, que leva em consideração os marcadores sociais, de raça, gênero e classe. Nenhum saber, nenhum conhecimento, pode ser construído fora ou desconectado desses marcadores. Portanto, não se trata apenas de pensar o contexto político-histórico-social, mas que lugar cada corpo ocupa nesse contexto, como se relaciona com ele, de onde é visto, onde é posicionado socialmente, onde se posiciona; de onde e como constrói sua identidade e subjetividade enquanto corpo. O que está implicado aqui é mais do que pensar o lugar que o objeto pesquisado ocupa no contexto social, mas também o lugar que meu corpo, enquanto pesquisadora, enquanto sujeito que reflete sobre esse objeto, ocupa. De que lugar, esse corpo produz conhecimento. Essa questão é central para mim. Não há como fazer esse movimento sem racializar a academia, sem racializar a branquitude. A academia e a ciência ocidentais, são brancas, atravessadas por toda uma estrutura de produção de saberes, discursos, epistemes e metodologias que é colonial, e “’branco’ não é uma cor” (Grada Kilomba). O racismo, o patriarcado, a heteronormatividade e a colonialidade são ferramentas de hegemonia de poder da branquitude, que operam pela produção e manutenção da desigualdade e da exclusão. Para analisar a construção de subjetividades de mulheres negras a partir de suas escrevivências em primeira pessoa, mergulho no oceano curta-metragista, onde encontramos mais realizadoras negras. Debruço-me, principalmente, sobre as narrativas documentais, numa abordagem interseccional, que leva em consideração raça, gênero, sexualidade, a partir de obras de três realizadoras negras contemporâneas, entre elas: Travessia (2017), de Safira Moreira; NoirBlue – Deslocamentos de uma dança (2018), de Ana Pi; (Outros) Fundamentos (2019) e Pontes sobre Abismos (2018), ambas de Aline Motta. Como fundamentação teórica para discutir identidade numa perspectiva, ao mesmo tempo, coletiva e subjetiva, mobilizarei os conceitos de amefricanidade, de Lélia Gonzalez, e o de identidade atlântica (em travessia afrodiaspórica), de Beatriz Nascimento. Além dos textos das autoras, interessa articular também as leituras possíveis do texto fílmico com o documentário Ôrí (1989, 100’), roteirizado por Beatriz Nascimento e dirigido por Raquel Gerber. Pensando o conflito entre corpo colonial, trauma e corpo decolonial, o “ser-se negra numa sociedade branca”, mobilizo conceitos de Frantz Fanon, Grada Kilomba, Neusa Santos Souza, entre outros autores. Empreendemos, assim, uma travessia, que vai da fragmentação e desconstrução à invenção. Evocamos, então, o “dono da porteira do mundo”, “é ele a força vital a ser invocada para a tarefa miúda de riscar os pontos da descolonização” (RUFINO, 2019, s. p.). Nesse sentido, recorremos a Èsù Onã, senhor dos caminhos ou o próprio caminho. Na ciência encantada das macumbas, referencial teórico-prático do qual partimos, pois, pensar a arte e o cinema no contexto da diáspora africana implica em um deslocamento do olhar a partir do pensamento decolonial. |
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Bibliografia | FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Ubu: São Paulo, 2020. |