ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | Exu e Pomba Gira em Rainha Diaba & Madame Satã. |
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Autor | Guryva Cordeiro Portela |
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Resumo Expandido | Pretendo discutir alguns significados do orixá Exu no candomblé e na umbanda, os dois modelos mais conhecidos das religiões de origem africana no Brasil. Argumento que Exu, devido ao seu caráter de mensageiro, é uma espécie de mediador cultural, fornecendo metáforas potentes para se pensarem as relações entre os grupos étnico raciais que compõem a sociedade brasileira. Um "tropo" por meio do qual podemos refletir sobre os conflitos e as alianças existentes nessas relações. O desafio que proponho é pensar e imaginar cartografias a partir de análise de corpos dissidentes, camadas de mundos, nas quais as narrativas sejam tão plurais que não precisamos entrar em conflito ao evocar diferentes formas de ver o mundo e principalmente corpos diversos e híbridos que contam histórias, essas narrativas são presentes que nosso cotidiano popular, nas ruas das cidades, nos campos, quilombos, aldeias, nas esquinas das periferias e nas encruzilhadas dos saberes populares. Acontece que, nas narrativas de mundo que dominaram, e dominam, as formas e estéticas, os corpos ditos dissidentes, diferentes, grotescos, são colocados à margem, a estética dessas realidades de mundo são diminuídas ao excêntrico, ao “folclórico” (com toda carga racista que essa palavra carrega). O poder midiático/político construí narrativas do que é aceitável como belo e sublime e tudo que fuja ou discuta estes padrões pertence à ilegibilidade. Portanto, como processo de ‘re-existência’, busco analisar, como ponto de convergência, dos dois corpos ‘bixa’ (VIDARTE, 2019), nos filmes citados, corpos que movimentam o enredo, o enquadramento, apreendido como moldura do olhar, fugidia, relacional, inevitável (BUTLER, 2015). Analiso esses personagens a partir de um olhar do corpo carnavalizado (Bakhtin, 1999) e das relações do masculino e feminino nas entidades da Exu e Pomba gira no entendimento na construção de cada personagem. Suas divergências em olhares, que seguem fluxos temporais, éticos e estéticos diversos. Exu aqui representa, com sua mitologia associada aos reinos das passagens, das rotas, dos cruzamentos, a possibilidade de continuidade entre o espaço público e o privado e a própria problematização no plano simbólico dessas dicotomias. Aqui proponho alargar o debate entre a entidade Exu (e sua fase feminina, Pomba Gira), com as associações do Deus fon-ioruba, de caráter fálico, jocoso e irreverente, e o diabo da tradição católica medieval, através dos dois personagens dos filmes, que não por acaso ambos carregam no nome a entidade católica (Diaba e Satã). Permito-me olhar e analisar o papel da sociedade e da igreja no castramento dos corpos, da imposição da ordem e da desordem inevitavelmente após a repressão. A regra e o desvio, do cerceamento e da liberdade de ser na construção da ética popular. A sociedade brasileira, se podemos interpreta-la como carnavalizadora, nos termos de Bakhtin (1999), encontra em Exu um ícone potencialmente expressivo destes valores e crenças. Exu se apresenta como caráter agregador e disruptivo, e observo-o como uma possibilidade de romper ou questionar estas dicotomias. Como outro aspecto importante na abordagem, e que influência diretamente a estética dos corpos, refere-se ao fluxo das continuidades e das rupturas entre o imaginário afro-diaspórico na construção da imagem de Exu e a escolha da igreja em transformar esse orixá na figura do Diabo cristão. Portanto, inverto a ordem dos valores e trato da “exuzição” do diabo cristão e da sua figura feminina da Pomba Gira, revisitando a personagem Diaba (Milton Gonçalves) e Satã (Lazaro Ramos), ambas personagens que se baseiam em figuras que viveram em meio à censura e à violência estatal da época, a fim de apreender uma experiência específica da bixa com o cinema, os aspectos textuais e contextuais relativos aos filmes e seus desdobramentos nos corpos. |
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Bibliografia | BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na idade média e no renascimento: o contexto de François Rabelais, São Paulo, Hucitec/UnB. 1999 |