ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | Ciborgues e bugs no sistema: um elogio ao indiscernível? |
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Autor | Luiz Fernando Wlian |
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Resumo Expandido | A “nova cidade” está repleta de ciborgues. Em meio ao novo bios midiático (SODRÉ, 2006), vemos caminhantes vivos e tecnológicos, cujas qualidades sensíveis geram especial interesse às dinâmicas hegemônicas de hoje. Porém, mais do que pensar de que modos esses “ciborgues” (HARAWAY, 2009; PRECIADO, 2017) são controlados por demandas neoliberais e congruentes com o capitalismo contemporâneo, podemos confabular em que medida eles podem perscrutar a “nova cidade” a seu modo, criando coisas outras por sobre ela. Dentre as estéticas dissidentes que vemos no cinema brasileiro recente, identificamos algo em comum: a encenação de corpos que brincam com teorias queer e, especialmente, com teorias sobre capitalismo tardio. São filmes que parecem nos convidar a ver e sentir a possibilidade de sonhar nos escombros e, talvez, criar novas formas de vida por sobre os próprios escombros, por meio de um uso outro das tecnologias e dispositivos. Parece-nos um cinema bastante atento aos fenômenos de hoje, e a eles traz provocações encarnadas na cena, na performance dos corpos, na linguagem cinematográfica. Filmes que se apropriam de parte das novas tecnologias para encarnar nelas um modo outro de ser. Nessa conjuntura, observamos um cotejo entre cinema queer e capitalismo contemporâneo que nos leva a pensar: o que o cinema queer promove para disputar outras formas de sensibilidade no mundo contemporâneo? E, ao fazê-lo, em que medida abre espaço para a imprevisibilidade, para a desmedida, para afetos que ultrapassem uma racionalização estratégica? Haveria nesse cinema uma tentativa de modular suas próprias estratégias sensíveis (SODRÉ, 2006)? Norteados por essas questões, debruçamo-nos sobre parte da produção audiovisual queer recente no Brasil, aqui encarnada por dois curtas-metragens de dois coletivos queer, o Chorumex (Os Anos 3000 Eram Feitos de Lixo) e o Anarca Filmes (Usina Desejo Contra a Indústria do Medo). Filmes que não apenas demonstram prolíficas marcas de estilo, como se valem da precariedade para estetizar a dissidência dos corpos em cena e traduzi-la na própria linguagem cinematográfica. Defronte a economia política ligada às novas tecnologias midiáticas, os filmes propõem encenações que nos parecem não apenas bastante informadas por teorias sobre capitalismo, como também por uma perspectiva mais ampla sobre o cenário contemporâneo e o lugar de corpos dissidentes nele. São obras que animam esses corpos de modo a causar estranheza, a promover experiências estéticas que fraturam expectativas dominantes por sobre o corpo sensível. Mobiliza-nos verificar de que maneira os filmes fazem isso, como dialogam com o cenário político e social contemporâneo e devolvem a ele sensibilidades de outra ordem. Para fundamentar a análise dos filmes, valemo-nos de uma discussão teórica ancorada, sobretudo, na fenomenologia queer em Sara Ahmed (2006) e nos conceitos de corpo biomediado (CLOUGH, 2008) e ciborgue (HARAWAY, 2009; PRECIADO, 2017), para além das ideias de estratégias sensíveis e bios midiático em Muniz Sodré (2006). Buscamos demonstrar como esse cinema promove um “elogio ao indiscernível”: ao apropriar-se criticamente de fenômenos do capitalismo contemporâneo, mobilizam imagens e sons que, além de não prestar tributo à coerência exigida por uma economia narrativa hegemônica, modulam sensibilidades que podem transbordar, ou mesmo esgarçar, estratégias sensíveis hegemônicas. Assim, poderiam mobilizar estratégias sensíveis especificamente dissidentes por meio, justamente, de seu estímulo à desmedida, ao improdutivo, ao perverso, ao que não pode ser contido e economizado. Esses filmes – dentre outros possíveis – ajudariam, portanto, a corporificar uma “contra estetização queer”, uma disputa do corpo sensível frente aos interesses do capitalismo. Disputa essa que, longe de ser antitecnológica e reivindicar um “passado racionalista”, valer-se-ia da tecnologia e da sensibilidade para forjar possíveis bolsões e resistências. |
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Bibliografia | AHMED, Sara. Queer phenomenology: orientations, objects, others. Durham: Duke University Press, 2006. |