ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | Cinematografia, encenação e expressão no documentário Santiago |
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Autor | Bertrand de Souza Lira |
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Resumo Expandido | A subjetividade, que por muito tempo era quase uma antinomia do conceito de documentário, tem se mostrado cada vez mais presente no documentário contemporâneo, com imagens e cenas construídas para representar ideias, sentimentos e emoções, não só dos atores sociais retratados como também veicular conceitos e expressar a subjetividade do diretor sobre o tema tratado. O documentário nasceu lançando mão do recurso da encenação, como podemos constatar em Nanook (Robert Flaherty, 1922), obra fundadora do gênero, com a reconstituição de situações não mais existentes ou a criação de cenas para estruturar a narrativa de modo a criar uma estrutura dramática à maneira de uma ficção (DA-RIN, 2004). Nossa proposta aqui é refletir sobre o uso da cinematografia e da encenação no documentário Santiago: reflexões sobre o material bruto (João Moreira Salles, 2007), observando como enquadramentos, ângulos e movimentos de câmera, profundidade de campo, etc (a cinematografia) e o recurso à encenação (a construção da cena), com a colocação dos personagens em cena, escolha de cenário e iluminação, é trabalhado para expor/expressar subjetividades. Utilizaremos nessa investida os conceitos de “encenação-construída” e “encenação-locação” de Fernão Pessoa Ramos (2008) da sua tipologia para a encenação em filmes documentários. Para a análise da cinematografia, trabalharemos com o conceito de David Bordwell e Kristin Thompson (2013) que engloba todos os procedimentos técnico-estilísticos que materializam uma narrativa cinematográfica, que abrangem o controle do que é filmado e do como é filmado: planificação, amplitude tonal, perspectiva (com o uso de diferentes lentes), a profundidade de campo e de foco, ângulo, altura e distância do enquadramento, dimensões e formas de quadro, espaço dentro e fora de campo, movimentos de câmera, etc., aspectos que vão imprimir qualidades cinematográficas ao plano. Em seu primeiro plano, o documentário Santiago apresenta três fotografias da casa onde o diretor viveu a sua infância, cenário do universo da história narrada. São imagens criadas para que seu diretor especule sobre o estatuto do cinema do real. Santiago, que dá título ao filme, é o ex-mordomo da família de João Moreira Salles que o escolheu como tema do documentário em 1992, ano em que deu iniciou às filmagens, e só retomando ao material filmado em 2005 para montá-lo. Além dos depoimentos do ex-mordomo rigorosamente dirigido no que ele relata e na forma como relata, Salles criou imagens diversas para ilustrar o conteúdo das falas do personagem e das suas próprias reflexões e memórias, narradas em voz over, na voz do seu irmão Fernando Moreira Salles: “Filmei inúmeras cenas em estúdio. Elas me serviriam para ilustrar as histórias que Santiago me contou durante os cinco dias de filmagem.” [ver como citar em Débora] Com estas encenações em estúdio (“encenação-construída”), o diretor materializa memórias de Santiago Merlo e suas próprias impressões do que lhe é narrado pelo personagem. São imagens de um trem numa paisagem noturna esfumaçada, de vasos com arranjos de flores, de um boxeador em ação, sacos de plásticos flutuando no ar, esteticamente bem fotografadas em preto e branco num trabalho precioso de iluminação, sob a direção de fotografia de Walter Carvalho. Do ponto de vista da cinematografia, observaremos a opção por enquadramentos rigorosos, com freqüentes primeiros planos arrojados ou distanciados do personagem, revelando, na planificação, o distanciamento entre personagem e diretor. Salles só tomaria consciência dessa relação de poder ao analisar o copião após um longo tempo distanciado do material filmado, em 1992. A combinação de encenação e cinematografia intencionando impregnar a narrativa de subjetividades e de expressão é o foco da presente abordagem, enfatizando a desconstrução da objetividade fortemente associada ao documentário ao longo de seu percurso histórico. |
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Bibliografia | BLOCK, Bruce. A narrativa visual: criando a estrutura visual para cinema, TV e Mídias digitais. São Paulo: Elsevier, 2010. |