ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | Utopia e barbárie numa das trilogias possíveis de Vladimir Carvalho |
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Autor | Gabriela Kvacek Betella |
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Resumo Expandido | O país de São Saruê (1971, lançado em 1979), Conterrâneos velhos de guerra (1992) e Barra 68 – sem perder a ternura (2001) podem ser elementos-chave na filmografia do cineasta pernambucano Vladimir Carvalho na medida em que representam, grosso modo, etapas simbólicas de uma trajetória pessoal por meio das imagens documentais. É possível pensar numa unidade para a trilogia quando utilizamos como vieses de análise as evidências das lutas de classes, dos deslocamentos e dos espaços utópicos como registros da memória coletiva. Podemos considerar os três longas representativos dos espaços e tempos percorridos, vividos e mapeados nos documentários do cineasta. Destacamos, na análise imanente dos planos mais significativos, a densidade das relações entre o homem, a terra e as utopias sob uma orientação declaradamente antiutópica, permeada de ironia, sem necessariamente adotar formatos ou conteúdos distópicos. Assim, o documentário inspirado no título de cordel que descreve um paraíso fantasioso e encantatório reconstrói o espaço fronteiriço entre Paraíba, Pernambuco e Ceará para mostrar as dificuldades de sobrevivência. Observamos, para além da releitura do poema de cordel num resultado com imagens realistas do sertão, um diálogo com a poesia nordestina em forma renovada, inserida no filme com nova autoria e referências. O primeiro longa do diretor representa, ainda, importante prolongamento de um ciclo de curtas-metragens nascidos no berço do documentário paraibano dos anos de 1960. O exame da trilogia leva em conta, sobretudo a partir daqui, a dimensão panfletária ao repensar o caráter de denúncia e a construção de um discurso politizado sobre os fatos documentados. Conterrâneos pertence ao espaço do Planalto Central, retoma os curtas produzidos desde a transferência de Vladimir Carvalho para esse espaço e aborda o deslocamento dos trabalhadores da construção de Brasília sob o contraponto entre a visão utópica dos idealizadores da capital e a realidade dos operários, na absoluta maioria nordestinos. O filme retorna à época do nascimento da capital federal para reconstituir um suposto massacre de operários pela memória de entrevistados e a tentativa de apagamento do episódio da história. Realizador e personagens interagem à luz de uma pauta investigativa, localizada no episódio de 1959. Barra 68 retorna a outro espaço-tempo muito específico, circunscrito à criação da Universidade de Brasília encarnada na perseverança de Darcy Ribeiro (1922-1997) e às tentativas de destruição da instituição, desde o golpe militar de 1964, a invasão de 1968 (que resultou em centenas de estudantes detidos e na exoneração de quase todo o corpo docente) e a dura repressão de manifestações em 1977. Ao organizar sua própria filmografia em trilogias ou tetralogias, Vladimir Carvalho não somente demonstra o gosto pelas interrelações, mas aponta para várias combinações possíveis, deixando para o espectador novas possibilidades de leitura, quanto mais explora o olhar do documentarista. Ao afirmar que todo documentário tem muito de autobiográfico, o próprio diretor esboça os elos que nossa análise fortalece entre os dois tipos de memória correspondentes às experiências pessoais e à vivência coletiva, nas palavras de Michael Pollack (1989), ao papel das “memórias subterrâneas das culturas minoritárias ou dominadas que se contrapõem à memória oficial que afloram em momentos de crise”. |
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Bibliografia | CARVALHO, V. Conterrâneos velhos de guerra. Brasília: GDF, Sec de Cult e Esporte, Fund.Cult DF, 1987. |