ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | O Bom Falsário: um Ser (artista) indígena, um devir-outro |
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Autor | Samir Gid Rolim de Moura Moreira |
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Resumo Expandido | Só o bom se deixa esgotar pela vida em vez de a esgotar, afirmou Deleuze conceitualizando o regime cristalino; suas potências do falso; suas realidades incompossíveis; mas, principalmente, seu sentido criativo capaz de inventar um povo e fazer nascer o artista. Subvertendo o que se acredita como verdade, é baseado no traço de criador, que o filósofo confere a essa figura, que será pensada neste texto a função fabuladora dos personagens em devir de filmes realizados por indígenas brasileiros. Tomando a vontade de potência do falsário e sua cadeia inseparável, é que continuamos as discussões recentes acerca do outro do perspectivismo ameríndio no fora-de-campo (extracampo relativo), isto é, a presença inversamente proporcional de um campo visível e um espaço conjugado, invisível, imanente, pressuposto e estendido ao todo do universo. Pois as metamorfoses — animal, espiritual e ancestral — num momento ritual não se separam daquela indígena e não-indígena, por meio de um cineasta que filma os eventos numa espécie de fabricação do registro e registro da fabricação, misturando imagens objetivas e subjetivas, transcendendo, e incentivando seus personagens a transcender, três mundos. O que se tem, portanto, é uma imaginação da narração cristalina, cujo conteúdo é expor as metamorfoses do falsário e a falseabilidade do cinema-verdade, que levam os sujeitos e os modelos cinematográficos, de uns a outros, vibrando seja no estilo, seja na performance, a tensão estabelecida entre a conservação e a inovação, logo que a sua multiplicidade ritualística e político-estética, contribui para a noção geral e contingente, em termos antropológicos, de uma memória em ação. Isso significa que a simultaneidade de presentes ou a coexistência de passados não-necessariamente verdadeiros, se deixa ver nos filmes quando os personagens se põe a fabular, sem serem fictícios, e portanto ao questionarem o ser — indígena e não-indígena, providos do aparato do cinema e de uma mentalidade cada vez mais intercultural. Afinal, muito influenciados pelas metodologias de Jean Rouch, esses filmes ecoam a dinâmica do feiticeiro que come o seu duplo, para depois restituí-lo, como o cineasta que também os come e depois mostra seus duplos por meio da filmagem e da montagem, estabelecendo comunidade entre outros. Ou seja, ao se fazerem notar os anciãos, presos ao sentido de indígena autêntico, ainda quando este tipo de produção engatinhava (Iniciação do jovem Xavante [1999]; Bimi, Shu Ykaya [2018] etc.); ou quando mulheres se tornam hiper-seres (As hiper mulheres [2011]); ou ainda quando a comunidade, geralmente os mais jovens, esbanjam tecnologias e conhecimentos do Ocidente (Das crianças Ikpeng para o mundo [2001]; Bicicletas de Nhanderu [2011] etc.), só há devir, o devir querer-dominar ou o devir querer-artista, a última instância do falso — para ter a si como lenda, como memória, como nova identidade. |
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Bibliografia | ARAÚJO, A. C. Z.; CARVALHO, E. I. de & CARELLI, V. (orgs.). Vídeo nas Aldeias 25 anos: 1986-2011. Olinda/ PE: Vídeo nas Aldeias, 2011. |