ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | Cinema multiespécies |
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Autor | Lucas de Castro Murari |
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Resumo Expandido | Um dos campos crescentes das reflexões contemporâneas se referem à questão animal. Em tempos recentes, próximo ao final do século XX, os “estudos animais” (animal studies) criaram novos paradigmas conceituais de análise, história e perspectiva. Os animais se tornaram a possibilidade de uma nova alteridade e muito se tem feito pelas vias do pensamento em abordagens que os colocam como fundamento. Para o filósofo Jacques Derrida, por exemplo, o período da modernidade é marcado pela luta desigual no campo do pensamento. O filósofo se refere algumas vezes a este embate como uma guerra, no caso, interespécies. O humano historicamente ignorou completamente a dimensão interior de outros seres vivos. Em "O animal que logo sou", Derrida explicita a relevância de suas ideias associadas à potência de animalidade e de ser vivente. Nesse sentido, propõe uma crítica direta às tradições culturais que menosprezaram a subjetividade para além do sujeito humano. Para esse autor, a teoria contemporânea atravessava uma fase crítica na disputa entre os saberes. Pensar sobre animais ou pensar sobre o pensamento dos animais exige modificações radicais nos paradigmas do conhecimento. É nesse contexto que a distância entre sujeito e objeto é substituída pela relação de alteridade. O ensaio "Por que olhar os animais?", publicado originalmente em 1980 por John Berger, ajuda a interpretar algumas questões sobre esse momento das relações multiespécies. Para este crítico de arte, é a partir da virada do século XIX para o XX que se completa o ciclo do capitalismo que rompe as conexões entre humanidade e natureza. Na sua abordagem, a modernidade foi o período em que os animais começaram a desaparecer da esfera simbólica. Sendo assim, foram transformados em brinquedos, espetáculos e ilustrações. Outro lugar que lhe foi confinado foi como seres de estimação dos lares a partir da domesticação e adestramento. Em suma, os animais foram transformados em matérias visuais e bens de consumo. Nesse sentido, as outras espécies foram subjugadas e perderam sua relevância natural e cultural. A relação entre filme e “animal” foi explorada desde o princípio das tecnologias que emulavam a imagem em movimento. O cinema experimental, no entanto, é um campo que tem complexificado a interpelação entre a câmera e a diversidade de espécies. Os artistas e cineastas têm buscado a invenção de múltiplas maneiras de figurá-los, sob as perspectivas das mais distintas. Essa relação envolve aspectos estéticos e políticos; éticos e morais. Os corpos e vidas dos outros entes não são requeridos apenas como coadjuvantes, metáforas visuais ou ornamentos da estrutura narrativa; essa aproximação não implica o recorrente antropomorfismo presente em animações infantis ou obras audiovisuais comerciais. A animalidade é apresentada como elemento diegético a ser pensada, a troca de olhares transformada em linguagem. Os filmes experimentais têm proposto reflexões interessantes sobre modos de contato multiespécies. O que é almejado não é apenas o que podemos ver antropocentricamente, mas principalmente o que não podemos ver. Nesse sentido, a câmera e a poética animal são potencializadas em conjunto. O objetivo deste trabalho é discutir a relação entre animais e imagem, mais especificamente pensando os modos de figuração presentes nas tradições do cinema de vanguarda e do cinema experimental. As reflexões propostas por Jacques Derrida e John Berger serão requeridas para elucidar essa aproximação, se concentrando em especial na questão do olhar. O trabalho vai se valer de uma constelação de filmes heterogêneos nessa investigação, expressando a animalidade como potência estética e ontológica. |
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Bibliografia | BELLOUR, Raymond. Le Corps du Cinéma: Hypnoses, Émotions, Animalités. Paris: P.O.L, 2009. |