ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | TOMEM SEUS LUGARES À MESA! Sobre a lesbiandade na FC brasileira |
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Autor | Carolina de Oliveira Silva |
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Resumo Expandido | Este trabalho nasceu da insatisfação diante do desenlace do filme As filhas do fogo (1978) de Walter Hugo Khouri, que flerta com as narrativas góticas e a ficção-científica, apresentando personagens femininas lésbicas que, de maneira misteriosa, são engolidas pela natureza. No inventário proposto por Suppia (2007) sobre a FC brasileira, As filhas do fogo é um filme que se afasta do gênero, embora subsista no tratamento “cientificcionalizado” da paranormalidade. Assim, ao explorar as personagens femininas de uma perspectiva interseccional, qual seria o lugar das personagens lésbicas que não fosse um destino fatal? A partir de tal questionamento, o paradoxo da in/visibilidade lésbica no cinema passa a fazer parte da pesquisa. Como aponta Brandão e Sousa (2019), essas imagens ora operam à margem da heteronormatividade, ora promovem uma ausência que necessita decodificação e, por tal razão, a busca por personagens lésbicas tornou-se latente em filmes que flertam com a FC, gênero por si só de difícil explanação (BETZ, 2011). Contudo, tais narrativas, se tratadas a partir da abrangência da literatura especulativa (CAUSO, 2003), podem promover diálogos com o horror e a fantasia, trazendo à tona a ideia da lésbica gótica (PALMER, 2004), que prevê figuras perturbadores, disruptivas e que rejeitam as convenções atribuídas às mulheres em meio a uma economia heterossexual. Nessa perspectiva, a figura da lésbica gótica poderia ser atualizada para a da estraga-prazeres feministas (AHMED, 2020), tendo em vista as personagens lésbicas em filmes como: Bacurau (2019) de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, Medusa (2021) de Anita Rocha da Silveira e Mato seco em chamas (2022) de Joana Pimenta e Adirley Queirós – obras com recortes distópicos que, em diferentes futuros, angariam pessoas que lutam contra a felicidade heteronormativa, promovendo nas estraga-prazeres-lésbicas “um projeto de conhecimento, um projeto de criação de mundo” (AHMED, 2020, p. 90). Ao reunir personagens como Domingas (Sônia Braga) – a única médica da cidade de Bacurau, Michele (Lara Tremouroux) – a líder das “Preciosas de Cristo” e Léa (Lea Alves da Silva) – a narradora da história das gasolineiras da favela do Sol Nascente (elegida para a análise) – a hipótese é de que essas mulheres, a partir do método de constelação fílmica (SOUTO, 2020), apresentam suas histórias do ponto de vista das rejeitadas, apresentando personagens complexas e potentes. Em Bacurau, uma cidade do sertão brasileiro desaparece do mapa e a defesa do inimigo deve ser feita pela população, nesse contexto a médica auxilia a população ao mesmo tempo em que sofre com o alcoolismo. Em Medusa, a perseguição contra mulheres não-religiosas é liderada por uma jovem devota que, ao descobrir o amor pela melhor amiga e sofrer com a violência masculina, passa a buscar sua liberdade. Em Mato seco em chamas, a cidade é governada por um grupo de mulheres, dentre elas, uma prisioneira que se tornará heroína do povo. Tais mulheres não apenas apresentam as instâncias da vida lésbica, mas questionam “o que o cinema pode fazer a partir da figura lésbica” (BRANDÃO; SOUZA, 2019, p. 279). Se em um primeiro momento contabilizamos a presença lésbica nas distopias brasileiras, em seguida analisamos suas trajetórias. As personagens ocupam seus lugares na grande mesa da FC, contudo, como estranhas, alienígenas e dissidentes, essas mulheres existem para desestabilizar a ordem dos que estão nela reunidos. As três ameaçam não só a perda de seus próprios assentos à mesa, mas o prazer de quem está sentado: Domingas é uma mulher sem família de sangue, Michele rejeita o matrimônio tão sonhado e Léa retorna da prisão mais uma vez. Para além das ambiguidades asseguradas pelas representações de mãe e meretriz (GINWAY, 2005) e ao considerar outros marcadores de diferença como a sexualidade e a classe, a categoria de mulher lésbica abrirá, portanto, outras possibilidades de existência para os mundos imaginados pela FC. |
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Bibliografia | AHMED, S. Estraga-prazeres feministas (e outras sujeitas voluntariosas). Eco-Pós, v. 23, n. 3, p.82-102, 2020. |