ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | Cinematic VR - a experimentação como práxis em Rio de Lama |
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Autor | Marcella Ferrari Boscolo |
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Coautor | tatiana giovannone travisani |
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Resumo Expandido | Há, na realização contemporânea de documentários para realidade virtual, uma característica primária de retorno para o cinema, oriunda da ausência de guias consolidados de filmagem de live action para os cenários 360º, a qual impõe aos realizadores mais um componente essencial no fazer fílmico para o novo meio que ainda não é cinematograficamente, nem socialmente, apreendido, o de testar elementos inteiramente novos, encarnando, nas palavras de Comolli, o “cinema como práxis” enquanto de estratégia de filmagem. “O imperativo de como filmar, central no trabalho do cineasta, coloca-se como a mais violenta necessidade: não mais como fazer o filme, mas como fazer para que haja filme” (Comolli, 2008 p. 169). Tricard (2018) define como cinematic VR (realidade virtual cinemática, em tradução livre), a categoria das narrativas imersivas gravada com câmeras 360°, em que espera-se que o público “olhe em volta”, um affordance que o coloca no centro da história e influencia diretamente a produção fílmica. O filme Rio de Lama (Tadeu Jungle, 2016) foi gravado com um conjunto de seis câmeras GoPro, dispostas em uma estrutura cúbica que permite a captura da cena em 360º, um método complicado de filmagem, uma vez que cada câmera tem de ser operada à distância, separadamente e sem feedback visual imediato: Fizemos vários testes. Qual a distância ideal da câmera para o assunto? E a altura? A câmera sempre é o olho do público. O primeiro filme eu fiz todo na raça, eu só imaginava o que estava sendo filmado, não vi nada do material ... A tensão era muito grande, pois, se depois do plano feito, a gente descobrisse que uma das câmeras não filmou a cena, não dava para saber em que momento tínhamos que regravar. (Jungle, 2022, p.71) A trajetória de Tadeu Jungle na experimentação audiovisual começa nos anos 80, com o grupo TVDO, responsável por experimentos anárquicos e radicais em vídeo. Segundo ele (Jungle, 2007, 204), a ideia do TVDO era: “ a metalinguagem obsessiva. Revelar todos os poros. Usar o erro como verbo de ação. Antropofagia ilimitada. A câmera na olho (sic) sendo nosso modo de traduzir Vertov”. Ele aponta o caráter experimental das produções: “nada que se possa chamar de documentário. Nem de videoarte. Nem de matéria jornalística. Ali havia realidade, ficção, acasos, erros, transformados em linguagem (...) Somos o que somos, inclassificáveis" (Jungle, 2007, 205). Voltando a Rio de Lama (2016), o curta registra o retorno dos moradores da vila ao que restou do espaço após o rompimento da barragem, mesclando seus depoimentos às falas em over do diretor. Jungle conta que partiu para a região com o objetivo de registrar uma tragédia. À medida que foi conhecendo as pessoas, verificou que suas falas sobre a cidade que já não existe é que levariam o público à dimensão virtual da memória no filme: Primeiramente, você está num lugar muito forte, que não existe mais, inclusive. É irrecuperável (...) Os depoimentos eram sempre sobre como a cidade era maravilhosa, a comunidade era maravilhosa. Ai, eu entendi que o filme era sobre isso, a memória doce dessas pessoas. (...) Esse foi o caminho que usei para fazer o Rio de Lama e acho que foi muito acertado. (Jungle, 2022 p.72) O processo experimental explica a montagem do filme usando prioritariamente imagens de cobertura com depoimentos em off em que o som dita o tempo das cenas, o chamado efeito clipe (Julier e Marie, 2009). Podemos observar que o processo criativo em VR não está estabelecido enquanto método único, permitindo uma abertura a explorações mais livres tanto da praxis tecnológica quanto dos resultados sensoriais, poéticos e até políticos. Há, na hibridização do cinema com a realidade virtual um convite a experimentar o mundo e questionar o que entendemos por realidade. Em Rio de Lama, é a união dos relatos dos moradores de Bento Rodrigues, em contraposição direta à situação de terra arrasada da vila, que estimula a fruição da experiência fílmica em 360º como território de alteridade |
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Bibliografia | COMOLLI, Jean-Louis. Ver e poder: a inocência perdida: cinema, televisão, ficção, documentário. In: CAIXETA, Rubem, GUIMARÃES, César (Org). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008. |