ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | O desejo por outros dramas: contribuições latinas à teoria do roteiro |
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Autor | Pablo Gonçalo |
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Resumo Expandido | Concebido e difundido como uma peça de controle da produção e realização audiovisual, o roteiro possui as experiências dos estúdios de Hollywood dos anos trinta e quarenta como um marco central do seu surgimento e sua hegemonia mundial. É nesse período que emerge o chamado roteiro blueprint, que prega uma peça dramática detalhada, destinada a otimizar custos dos estúdios e manter diretores e elenco sob a batuta, o cronômetro e as escolhas estéticas já sedimentadas e legitimadas no texto do roteiro. O retrospecto histórico detalhado de como essa concepção se espalhou por estúdios mundo afora ainda é algo a ser realizado. A presença, contudo, de teorias do roteiro – seja nos manuais, ou mesmo no campo dos estudos de roteiro – que naturalizem essa concepção da experiência norte-americana, fortemente arraigada na cultura dramática anglo-saxã, precisa ser contrastada com outras tradições dramatúrgicas que contribuíram com reflexões seminais sobre a escrita e a dramaturgia para as telas. Entre os anos sessenta e oitenta, contudo, uma série de inquietações, experimentos, estudos e conceituações tomaram forma por autores de verve latina, ou de engajamento latino-americano. Essas inquietações visavam, sobretudo, desmantelar a hegemonia teórica, retórica e econômica da presença de formas de roteiro vindas de Hollywood e de tradições anglo-saxãs. O italiano Pier Paolo Pasolini é, certamente, um dos primeiros autores cineastas atentos a revisar a prática da escrita às telas a partir de um viés estético alheio ao pragmatismo anglo-saxão. Em O Emperismo Herege, Pasolini não elabora apenas uma célebre distinção entre “cinema de prosa” e “cinema de poesia”, ele também formula, de maneira impactante, que o roteiro é uma estrutura que quer ser outra estrutura. Na perspectiva de Pasolini, portanto, o roteiro deixaria de ter uma “ontologia” estanque, e seria sempre suscetível a futuras transformações. Compreendemos que essa aposta do devir-roteiro em devir-filme é também cara à dramaturgia cinematográfica de Pasolini, que compõe personagens ao estilo figural, influenciadas pela poética e teologia medieval de Dante Alighieri, nas quais a plenitude das personalidades só se completa postumamente. (Auerbach; Agamben). Em 1975, o brasileiro Augusto Boal publica o Teatro do Oprimido e outras Poéticas Políticas. Vindo de estudos na Columbia University, tendo John Gassner como tutor, o livro também resulta do périplo de experiências com o teatro popular e de base que Boal realizou no Peru, no Brasil e na França. Embora esteja focado na arte dramática, tendo o palco, a rua e os atores como seus principais vetores, Boal realiza uma das mais enfáticas desconstruções já escritas sobre a Poética, de Aristóteles. Para Boal, toda a concepção de personagem e catarses é, segundo ele, fruto direto da realidade escravocrata inerente à cultura da democracia da Grécia antiga. As formas contidas na Poética, amplamente disseminadas à cultura dramática do ocidente, não conseguiriam ultrapassar as dinâmicas entre senhor e escravo, entre personagens que possuem o direito à história e indivíduos destituídos de personalidade e possibilidade de atuação civil ou dramática. Escritos nos anos oitenta, os livros de Tomás Gutierrez Alea e Raul Ruiz são as suas colaborações de raiz latino-americana mais atentas ao cinema e ao roteiro. Preocupado com a naturalização de um espetáculo burguês, o cubano Tomás Gutierrez Alea realça as estratégias de montagem e estranhamento vindas de Sergei Eisenstein e Bertolt Brecht, para mostrar como um cinema socialista, popular e revolucionário, poderia interpelar o espectador de outras formas, diferentes às consolidadas por décadas de hegemonia hollywoodiana. O chileno Raul Ruiz fará uma minuciosa desconstrução da chamada “teoria do conflito central”. Recorrendo à teologia judaica, cristã-medieval, à teoria dos jogos, Ruiz defenderá formas dramáticas calcadas na ludicidade, na irracionalidade, na imprevisibilidade e na fragmentação. |
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Bibliografia | ALEA, Tomás Gutierrez: A dialética do espectador. Summus Editorial, 1984 |