ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | Um sonho é feito de lágrimas e sangue: Pearl e os melodramas sirkianos |
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Autor | JAQUES LUCAS DE LEMOS CAVALCANTI |
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Resumo Expandido | O melodrama é um modo narrativo tradicionalmente caracterizado pelo exagero sentimental das relações que se estabelecem entre os personagens e são pautadas por vínculos emocionais que envolvem instâncias moralizantes entre virtude e vilania, sendo articuladas esteticamente num modo exacerbado. Para Baltar (2019), existe até espaço para ambiguidades no melodrama e, em geral, esta é a ênfase no que diz respeito a uma série de releituras do gênero, como é o caso da filmografia de Douglas Sirk, mas não cabem afastamentos emocionais. Neste trabalho o melodrama é abordado a partir de duas perspectivas: como imaginação melodramática e como gênero cinematográfico. O primeiro está relacionado a um modo de percepção do mundo pautado numa pedagogia moralizante que permite possibilidades de análise pelo viés melodramático de diversas narrativas que não se relacionam tradicionalmente com o gênero (BALTAR, 2019), como é o caso dos filmes de terror. Por sua vez, consideramos como pertencentes a um gênero melodramático os woman’s pictures ou weepies. Segundo Williams (1991), são filmes destinados para mulheres dentro de seus papéis sociais produzidos pelo sistema patriarcal. As protagonistas geralmente são mães, esposas, donas de casa, amantes abandonadas, etc. Contudo, apesar do trabalho dialogar com autoras como Christine Gledhill, Linda Williams e Laura Mulvey, que abordam o melodrama cinematográfico pelo prisma da teoria psicanalítica e dos estudos de gênero, nosso intuito é explorá-lo por seu viés estilístico, através dos signos visuais e sonoros pertencentes ao registro de inspiração e representação dos melodramas hollywoodianos dirigidos por Douglas Sirk. Para Oliveira Jr. (2012), uma regra é constante no melodrama sirkiano: quanto maior o desastre existencial em jogo, maior a complexidade visual da cena. Se, num determinado momento, a tristeza, a insatisfação ou a doença avançam sobre a personagem, a composição do quadro, a iluminação do cenário e a angulação da câmera automaticamente se tornam mais rebuscadas. Em obras como Tudo que o Céu Permite (1955) e Chamas que Não se Apagam (1956), Sirk filma o horror do conformismo social que regula o “conforto” da vida média, e são muitos os enquadramentos que, pela própria exuberância plástica, criam uma espécie de prisão para os personagens. A simbolização exacerbada (ELSAESSER, 2003), enquanto procedimento básico de presentificação do melodrama, é a principal ferramenta metodológica da pesquisa. Através de sua utilização, os valores morais são identificados no interior das narrativas pelo uso intenso de metáforas visuais. “Presentificar” significa simbolizar exacerbadamente determinadas situações estabelecidas pela diegese fílmica. O uso de elementos como o desenho dos planos (posição em cena e gestos), luz, direção de arte, figurino e desenho sonoro funcionam como representações simbólicas dos dilemas morais e sentimentais enfrentados pelos personagens. De forma geral, trata-se de uma economia definida por Brooks (1995) como superdramatização que reforça o convite ao engajamento passional e afetivo do melodrama. Os resultados de pesquisa apontam para uma utilização subversiva do melodrama em Pearl. Assim como nos filmes de Douglas Sirk, Ti West se apropria das convenções estilísticas da tradição melodramática para criar uma protagonista complexa, que se afasta da dicotomia moral clássica de Mocinha/Vilã e por isso mesmo, torna-se mais humana e tridimensional. A emoção milagrosa do “final feliz”, que vem para reafirmar os valores morais preconizados pelo filme, adquire uma postura irônica e crítica, aos moldes do mecanismo da dupla moldura sirkiana. Se por um lado o público pode se ver impelido a condenar os brutais assassinatos cometidos por Pearl, por outro se compadece da tragicidade inerente a sua condição social. O sentimento de terror não está nas mortes violentas, mas sim na dor do fracasso de ter os sonhos completamente destruídos. |
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Bibliografia | BALTAR, Mariana. Realidade lacrimosa: o melodramático no documentário brasileiro. Niterói: Eduff, 2019. |