ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | Cosmopoéticas da natureza no cinema de Michelangelo Frammartino |
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Autor | Bruno Mesquita Malta de Alencar |
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Resumo Expandido | A comunicação analisa o cinema do italiano Michelangelo Frammartino, concentrando-se na interface entre as audiovisualidades de seus filmes e as discussões sobre a ecologia e o Antropoceno. Faz isso através dos longas As quatro voltas (2010) e Das profundezas (2021), e do curta Alberi (2013), que transitam entre os registros ficcionais e documentais, dirigindo-se aos modos com que inscrevem as correspondências entre cosmos, técnica e antropos. Sustentamos que ao tensionarem a significação do que está sendo figurado nas imagens e colocarem em conflito diferentes regimes de sensorialidade e de distribuição do comum no sensível (RANCIÈRE, 2012, p. 59), as audiovisualidades dos filmes abrem uma zona de indeterminação na experiência do espectador que desfaz o espelhamento transcendental entre cosmos e humano, de modo que possibilitam retramar os gradientes morais nas disposições da natureza pelo universo da técnica. Relativamente homogêneo em suas localizações geográficas, o cinema de Frammartino se ambienta no sul empobrecido da Itália, mais especificamente, nas regiões rurais da Calábria, contrastando-as, seja por alusão ou de forma enunciada, com o norte do país e seus processos de industrialização e urbanização. Em geral, as imagens intercalam a convivência prosaica em vilarejos com o acompanhamento específico de grupos de personagens em atividades que acontecem nas zonas fronteiriças desses lugares com os espaços naturais. No caso de Alberi, apresenta-se um rito de origem medieval em que homens se ausentam de suas casas, encaminham-se aos bosques das redondezas e dispõem da vegetação como fantasia sartorial, retornando ao vilarejo em uma performance coreográfica que embaralha o tempo histórico e as separações entre cultura e natureza. Já em As quatro voltas e Das profundezas, o contraste entre os interiores dos vilarejos e a sua exterioridade é conjugado com o universo da técnica: no primeiro filme, que se pauta pela passagem das estações do ano e os seus efeitos materiais sobre a paisagem, as deambulações de um pastor e de um bode são acompanhadas da transformação da madeira em carvão por trabalhadores locais; enquanto no segundo, cuja diegese narrativa se orienta em termos da reconstrução histórica de um evento do passado, o pastoreio é pareado com as atividades e maquinários de um grupo de espeleólogos advindos do norte do país, que imiscuem duplamente a fisicalidade de uma caverna inexplorada e a especularidade de seus jogos de luz e sombra. Compreendendo que os filmes se interessam não somente pelo encontro com a alteridade que se conserva na realidade extra fílmica, mas também pela forja de relações extrínsecas entre as materialidades que figura nas imagens, abordaremos os tensionamentos que tem como objeto algumas de suas estratégias formais: primeiro, os que objetivam as identificações das espacialidades e espaços em termos de uma noção estável de “lugar”, de modo que os filmes as implicam com deslocalizações e relocalizações de consequências geomórficas (CASTANHA, 2023, p. 178); e, segundo, os que objetivam os reconhecimentos das representações audiovisuais do humano em termos de uma noção consubstanciada de “figura humana”, de modo que essa é contaminada com relações e processos de dessemelhança que cindem a transcendência de sua forma sobre outras formas de ser no mundo (BATAILLE, 2018, p. 85-89), como as de rochas, plantas e animais. Justificamos a pertinência da comunicação a partir das argumentações de Yuk Hui (2020) em favor do reconhecimento de uma tecnodiversidade que pavimente a invenção de futuros em um momento de crise ecológica e emergência climática, e na conjugação de sua obra com o campo do cinema por Marcelo Ribeiro (2021), onde a arqueologia da cosmotécnica em que o dispositivo cinematográfico ganhou a sua aurora (ocidental, racionalista, e colonial) é sucedida por uma revindicação de “gestos de desobediência informe” e de “cosmopoéticas” que fraturem as reiterações entre ordem moral e ordem cósmica. |
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Bibliografia | BATAILLE, G. Documents: Georges Bataille. Tradução: João Camillo Penna; Tradução: Marcelo Jacques de Moraes. Florianópolis: Cultura e Barbárie, 2018. |