ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | De Seta e Olmi: As Vicissitudes do Documentário Italiano dos Anos 1950 |
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Autor | Matheus Batista Massias |
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Resumo Expandido | Ao cotejar as obras dos diretores italianos Vittorio de Seta e Ermanno Olmi na década de 1950, este trabalho pretende analisar como as noções de modernização e modernidade se desdobram, respectivamente, nos planos socioeconômico e cinematográfico, e como eles desencadeiam, portanto, diferentes representações do trabalho e da paisagem, no sul (De Seta) e no norte (Olmi) do país. Essa dicotomia geográfica, por causa e para além de suas origens históricas e culturais, reflete diretamente (n)aquilo que os cineastas registram: enquanto Olmi, contratado pela companhia elétrica Edisonvolta, realiza aproximadamente 40 documentários institucionais de curta metragem (1953-1963) que, entre outras coisas, registram a construção das usinas hidroelétricas mais importantes daquele período e, portanto, inscrevem um testemunho cinematográfico do Milagre Econômico Italiano, De Seta, nas regiões da Sicília e da Sardenha, realiza 10 curtas-metragens (1954-1959), também documentários (restaurados e compilados na coleção Il mondo perduto, de 2008), que retratam o trabalho de pescadores, mineiros, camponeses, e pastores, por exemplo, além de documentar o dia-a-dia, os ritos e as cerimônias desses povoados remotos e humildes. Se os filmes de Olmi podem ser vistos como ferramentas de um discurso que pretendia promover a imagem de um país industrial que crescia e se desenvolvia intensamente, deixando para trás as cicatrizes da guerra e as marcas da pobreza e da ruralidade, De Seta, na contramão, propõe uma incursão cujo caráter de etnografia de salvaguarda visa não o futuro, mas o passado: as tradições e os costumes, na esfera do trabalho ou familiar; os cantos de trabalho e o dialeto local; a paisagem e a atmosfera insulares. Assim, o uso do som é um fator crucial quando as obras destes cineastas são comparadas: para uma época em que a combinação da música, orquestrada, e da voz, em over, pós-sincronizadas em estúdio era valorizada dentro das normas das produções, como observado em Olmi, De Seta conscientemente investe nas gravações de som in loco e decide abolir o uso do comentário falado em over. Essa miscelânea de sons nos filmes de De Seta é, de acordo com Costa (2008), “um salto profundíssimo, que vai beber em outros gestos fundadores – Flaherty – para avançar até além do que será a fase mais imediata do cinema-directo.” A herança de contemporâneos e conterrâneos como Rossellini e Visconti e do neorrealismo é incontornável nesta obra inicial de De Seta, embora o uso extravagante de cores e do Cinepanoramic seja conflitante com o “realismo” do conteúdo e do som (Rascaroli, 2013). Farassino (2008), contudo, observa que, assim como Visconti, De Seta também era um autor “operístico,” este aspecto estava enraizado na cultura e no estilo dele. A discrepância destes elementos fílmicos, para além da sua natureza contraditória ou talvez justamente por causa dela, trazem a paisagem para o primeiro plano: se, de acordo com Costa (2008), “Primeiro, o cinema reinventou a paisagem. Depois foi reinventando por ela,” estes filmes, tanto os de De Seta quanto os de Olmi, (re)combinam diretamente o fundo (a paisagem) e a figura (o trabalho e os trabalhadores). Assim, este trabalho almeja observar como a paisagem, sendo uma “qualidade do espaço” que lida não com a medida, mas com o “sentimento” (Aumont, 2004), e o trabalho são deslocados, a partir da colocação de Costa (2008) sobre fundo e figura e sobre o plano moderno no cinema. Uma vez que o trabalho e os trabalhadores têm sido pouco filmados no cinema (Comolli, 1996), esta pesquisa também pretende traçar constelações fílmicas (Souto, 2020) a fim de observar as diferentes perspectivas e vicissitudes do documentário italiano dessa época a partir de filmes e cineastas distintos, anteriores e posteriores a Olmi e De Seta, como, por exemplo, os irmãos Lumière, Vertov, Flaherty, Grierson, Epstein, Ivens e Storck, Mangini, Taffarel, Nestler, Pollet, Hutton, Vanderweerd, Frammartino, Pimenta e Torgal, e Patiño. |
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Bibliografia | AUMONT, Jacques. O Olho Interminável: Cinema e Pintura. Trad.: Eloísa Araújo Ribeiro. São Paulo: Cosac & Naify, 2004. p. 217-237. |