ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | Hábitos hápticos: pela remontagem do imaginário de freiras lésbicas |
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Autor | Ana Caroline de Almeida |
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Resumo Expandido | Sabe-se que, pelo volume de imagens produzidas ao longo da história do audiovisual, os muros e paredes espessas de conventos costumam produzir uma arquitetura de contenção e sigilo que serve a uma vasta imaginação sobre como vivem as freiras e, particularmente, de que forma suas sexualidades podem, ou não, se manifestar dentro desse espaço de interdições. Quando se trata do imaginário produzido pela audiovisual em torno de freiras lésbicas, é possível encontrar desde as idealizações cisheteronormativas, com muita frequência populares no subgênero nunsploitation, particularmente explorado pelo cinema italiano nos anos 1970, dramas históricos feministas como Eu sou a pior de todas (1990), de María Luisa Bemberg, comédias anárquicas gays como Maus hábitos (1983), de Pedro Almodóvar e Sol alegria (2018), de Tavinho Teixeira, ficções científicas pops que se misturam ao fantástico como acontece na produção Netflix da série Warrior Nun, delírios eróticos como em Visions of ecstasy (1989), de Nigel Wingrove, até uma narrativa experimental que se entende, ela mesma, como inventário audiovisual da imaginação lésbica em torno das freiras, como acontece em Para sempre condenadas (1987), de Su Friedrich, entre outras imagens. Esta comunicação pretende revisitar esse múltiplo imaginário audiovisual de freiras lésbicas a partir de uma combinação entre dois elementos. O primeiro deles está naquilo que se manifesta na materialidade das superfícies visuais e hápticas (BRUNO, 2014) de uma diversa produção audiovisual que coloca essas personagens no centro da cena. O segundo será colhido a partir de alguns depoimentos presentes no livro que se tornou um clássico do feminismo lésbico nos anos 1980: As freiras lésbicas: rompendo o silêncio (CURB, MANAHAM, 1985). O livro foi editado a partir de uma coleção de relatos tanto das organizadoras da publicação, quanto de várias freiras e ex-freiras que decidiram compartilhar suas histórias e vivências como pessoas lésbicas dentro e/ou fora de conventos. :: “Quantas mulheres de minha geração tornaram-se freiras por já serem lésbicas? Queria encontrar minhas irmãs lésbicas que entraram para o convento, não somente como resposta ao chamado de Deus, mas como refúgio à heterossexualidade, ao casamento católico e à maternidade exaustiva”, Rosemary Curb. :: A ideia é inventariar a partir de um atrito, ou melhor, uma “ralação” nos termos do “cinema de ralação” (SOUSA; BRANDÃO, 2021) não apenas entre o que os filmes produzem, mas também a partir do que podemos reorganizar imaginativamente quando essas imagens tocam uma literatura de depoimentos que quebram com a liturgia católica da confissão para se revelarem como escritos que rompem não apenas o silêncio, mas com a premissa da culpa cristã. :: “Talvez tornei-me freira porque, no meu tempo, as garotas tinham duas opções: crescer e casar com um papel carbono do papai ou tornar-se freira. Sendo uma menina inteligente e sabendo subconscientemente que era gay, o que podia fazer? Dezenas de amigas católicas conseguiram encontrar seus eus sáficos sem entrar para o convento, mas, para mim, ele representava o AMOR”, Nancy Manaham. :: Ao remontar essas imagens no encontro com esses depoimentos de freiras e ex-freiras de décadas atrás, parto tanto da ideia de produzir uma “submetodologia indisciplinada” em que é preciso “se implicar no estudo (e no estilo)” (MOMBAÇA, 2016) de uma catalogação que mantém “a textura da escrita estreitamente ligada à fabricação teórica" (BRUNO, 2014). Ou seja, a proposta é não apenas revisitar o imaginário das freiras lésbicas no audiovisual, mas sobretudo, num gesto ensaístico, fazer um mapeamento háptico dessas superfícies – o que suas cores, seus sons, as tensões e distensões presentes dentro das composições das imagens criam sensorialmente – com um arquivo de depoimentos reais que podem, eles mesmos, se reconfigurar quando em contato com filmes e séries. |
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Bibliografia | BRUNO, Giuliana. Surface: Matters of Aesthetic, Materiality, and Media. Chicago: Chicago. University Press, 2014. |