ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | Dispostivos de narração no documentário em primeira pessoa |
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Autor | Marcos Vinicius Yoshisaki |
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Resumo Expandido | Dentre os recursos estilísticos empregados no documentário em primeira pessoa (LEBOW, 2012; PIEDRAS, 2014), talvez nenhum seja tão recorrente e marcante quanto a narração pessoal, geralmente na primeira pessoa. Consolidou-se a ideia de que, se o filme é pessoal, nada mais natural que as e os cineastas falem. E, efetivamente, elas e eles têm costumado falar. A conexão entre narração e documentário em primeira pessoa é notória desde as origens da prática autobiográfica no cinema. Se na vanguarda norte-americana temos a inconfundível voz de Jonas Mekas imantando seus filmes, na tradição europeia, a narração em over foi a forma igualmente empregada para que o cinema pudesse “remediar sua relativa incapacidade de dizer ‘eu’”, como comenta Philippe Lejeune (2014, p. 268). Esta marca de nascença não deixou de se reproduzir com o passar das décadas, ainda que repleta de variações. Hoje, não basta muito esforço para constatar a eloquência da sua presença. A narração subjetiva, comum ao documentário em primeira pessoa e ao filme-ensaio, foi reconhecida por muitos autores e autoras como importante contribuição à versão tradicional da narração no documentário, marcada pela voz masculina, onisciente, autoritária, descorporificada e didática (LINS, 2007; WOLFE, 1997). Impregnada pelas concepções do ensaio cinematográfico, a narração adquiriu qualidades subjetivas, corporificou-se em vozes e sujeitos históricos específicos, permitiu-se lacunas, interrogações, parcialidade e vacilos. Uma voz que não representa mais o sujeito autônomo da modernidade, mas, sim, um sujeito fragmentado, indefinido e multifacetado (WEINRICHTER, 2015). Por outro lado, é possível afirmar que a narração subjetiva faz referência ao modelo tradicional ao se contrapor a cada um de seus aspectos: da voz masculina à feminina; do narrador profissional ao desempenho vocal da própria diretora ou diretor; da onisciência ao discurso localizado e subjetivo; do autoritarismo aos questionamentos em aberto. Esse conjunto de oposições reforça, portanto, a função modelar da narração tradicional, já que as inovações são reconhecidas na medida em que fazem frente a tal modelo. No entanto, no atual estágio da produção em primeira pessoa, suspeito que não é mais tão relevante legitimar o uso da narração pessoal apenas em contraposição à narração tradicional. Esta perdeu seu poder de influência efetiva. Ao meu ver, a problemática agora passa a ser interna ao próprio domínio: dentre as inúmeras alternativas conquistadas pela narração pessoal, performática e/ou ensaística, quais delas ainda escapa à repetição, sem cair, no entanto, no formalismo? Ou então, será que, mesmo revestindo-se de subjetividade, a narração não poderia simplesmente reiterar o modelo tradicional? Pois nada impede, como adverte Pablo Piedras (2014, p. 83), que narrações em primeira pessoa acabem simplesmente utilizando uma fachada subjetiva para redundar em usos didáticos comuns a documentários mais tradicionais. Em vista dessas questões, proponho analisar o uso da narração em filmes em primeira pessoa por meio de três funções: narrativa, subjetiva e perfomativa. Tais funções articulam-se em vista da criação de um efeito de autenticidade; que, por sua vez, relaciona-se com a modulação da emoção. Além disso, pretendo desenvolver a noção de “dispositivo de narração” como forma de analisar a concepção e execução das narrações. Inspirada na noção de dispositivo que circulou principalmente na primeira década deste século no contexto do documentário brasileiro (MIGLIORIN, 2005), o dispositivo de narração pode ser compreendido como metodologias compostas por escolhas conceituais e operacionais que podem ser alternativas à prática mais comum na produção das narrações pessoais. |
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Bibliografia | LEBOW, Alisa. The Cinema of Me: The self and subjectivity in First Person Documentary. Walflower Press, London, 2012. |