ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | O que se sabe e o que se vê: derivas na duração de "Três Minutos" |
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Autor | Patricia Rebello da Silva |
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Coautor | Luís Fellipe dos Santos |
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Resumo Expandido | Em 2009 o escritor americano Glenn Kurtz descobre um rolo de filme esquecido em um closet em Palm Beach Garden, região litorânea (e úmida) da Flórida, nos EUA. O filme, esse improvável sobrevivente, fora realizado pelo avô de Glenn, David Kurtz, em 1938, durante uma viagem com a família pela Europa. Um mês antes da partida, o avô de Glenn, que nunca tinha usado uma câmera, compra uma Ciné-Kodak Magazine 16, que filmava tanto em p/b quanto em cores. O roteiro da viagem incluía Paris, Amsterdam, Zurique, o sul da França e Londres. Em algum momento desse percurso, foi preciso fazer um desvio pela Polônia. É dessa matéria do acaso que nasce “Três minutos – uma duração” (2021), de Bianca Stigter, um filme que, apesar de tudo, resistiu e insistiu em existir. Em agosto de 1938, os Kurtz alugam um sedan preto em Varsóvia e rumam para o norte, até a pequena cidade de Nasielsk, com então 7000 habitantes – e dos quais cerca de 3000 eram judeus. Menos de 100 sobreviveriam depois do Holocausto. “Nada do que eu descobri sobre as pessoas que aparecem no filme do meu avô poderia ter evitado a morte delas”, escutamos Glenn Kurtz em off no filme, “tudo que se pode fazer é reunir os poucos fragmentos que restam de suas vidas para mostrar as arestas e ausências que definem a perda de um mundo”. O filme de Stigter se constitui, então, como uma busca pelas personagens que fazem parte desse fragmento encontrado – até o momento o único registro em movimento daquela comunidade. Para isso, a linguagem ensaística é posta em prática, costurando retalhos e detalhes das imagens, parando sobre elas, voltando quantas vezes preciso for para ver, rever, pensar aquilo que um projeto cruel se esmerou em apagar, invisibilizar. Entrando por dentro das fotografias still da película, criando recortes dentro dos frames, redescobrindo as pessoas, seus sorrisos, os espaços habitados, produzindo uma singular experiência de arqueologia das imagens. A menor das representações é indispensável, escreve a historiadora Nicole Brenez, nenhuma delas é boa, nenhuma delas basta; mas talvez sejam as chances singulares de salvar os personagens aos quais se referem. E, segue Brenez, “nos indicam concretamente o que pode o cinema enquanto investigação crítica.” No documentário, Stigter se apropria dessa Imagem-documento, pensando na chave da imagem-fato (Didi-Huberman, 2020), como uma tentativa de representação visual daquela comunidade e espaço, como uma forma de dar vida aos que foram exterminados e só existem enquanto imagens. Desses instantes de verdade, nas palavras de Didi-Huberman, ou pedimos muito, ou pedimos pouco. Não há como as imagens nos dizerem tudo, trazer todas as informações, pois são “fragmentos arrancados”, segue o autor, é pouco dentro do que sabemos pela história. Para Rascaroli (2022), a temporalização dos filmes ensaio cria espaços intermediários nos quais um pensamento temporalizado pode acontecer, como uma experiência de transgressão do tempo, do limite. O filme, então, materializa a fronteira como um ato de espera, como um gesto de desaceleração do tempo e da história, “estica, dobra, multiplica, expande, desacelera; abre brechas temporais para o pensamento e alonga nossa atividade espectatorial de conhecimento e apreensão do limite”. (RASCAROLI, 2022, p.48). Nesse sentido, é possível apontar o uso tencionado das imagens, esticando e aproveitando todos os momentos disponíveis, podendo ser lido na chave de filme de fronteira, que Rascaroli (2022) utiliza para falar sobre filmes ensaio. |
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Bibliografia | BLÜLINGER, Christa. Cinéma de seconde main : esthétique du remploi dans l’art du film et des nouveaux médias. Paris: Klincksieck, 2013. |