ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | Espaços do hedonismo: o cinema de Eva Ionesco |
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Autor | André Antônio Barbosa |
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Resumo Expandido | Os olhos do público se voltaram para Eva Ionesco quando ainda era criança. Ela posou como modelo para sua mãe, a fotógrafa franco-romena Irina Ionesco, em uma série de imagens que geraram polêmica. Nas fotos, sempre em preto-e-branco e marcadas por um contraste tão alto que as faz parecer tingidas de uma tinta muito negra, a pequena Eva estava frequentemente despida e caracterizada com signos de mulher adulta. Ela emula poses e olhares sensuais num cenário decorado com objetos que remetem a um imaginário de hedonismo e decadência. É como se estivéssemos vendo algo entre um editorial de moda, uma pintura simbolista do fim do século XIX e uma fotografia sombria com bonecas do surrealista Hans Bellmer. Maquiagem pesada, sapatos de salto, crânios, flores, véus, almofadas, lençóis de seda. As questões morais que o trabalho de Irina suscitou fez com que ela perdesse a guarda da filha e com que até hoje essas imagens sejam de difícil acesso. Eva, adulta, processou legalmente a mãe e seguiu sua própria carreira no mundo da arte: estava frequentemente envolvida com os círculos da moda em Paris, foi atriz em dezenas de obras teatrais, cinematográficas e televisivas, além de ter publicado dois romances. Também se lançou como realizadora de cinema - e é esta sua investida que nos interessa aqui. Em seus dois longas-metragens - My Little Princess (2011) e Une jeunesse dorée (2019) - Eva fala de sua própria infância e juventude, em obras semi-autobiográficas. Surpreendentemente, ela, em seus filmes, parece fascinada por atmosferas e espaços similares aos da obra da sua mãe: cenários cheios de extravagâncias frívolas, sensualidades perversas, prazeres hedônicos, romantismos sombrios, elegâncias decadentes. Este paper pretende, através de uma análise do universo visual construído pela arte desses longas - incluindo cenografia, caracterização, figurino e a relação desses setores com a direção de fotografia - entender como Eva Ionesco cria sua própria reflexão a respeito da experiência do hedonismo. Ao "animar" o universo congelado de caprichos perversos das fotos de sua mãe, Eva nem rejeita esse universo com julgamentos morais, nem o abraça ingenuamente. Antes, cria uma tensão permanente entre o deslumbre visual encantador desses espaços de prazeres sensoriais e o senso de perigo, niilismo, inocuidade e melancolia que eles escondem por baixo do seu brilho glamoroso. Em My little princess, François-Renaud Labarthe assina a direção de arte. Seguimos a personagem Violetta (Anamaria Vartolomei), uma criança para quem a mãe ausente é uma espécie de aparição de contos de fadas. Com seus cabelos loiros e charme cruel, gélido, de femme fatale, Hanah (Isabelle Huppert) é uma fotógrafa ambiciosa que ainda não conseguiu destaque no mundo da arte. É quando ela decide trazer a filha para seu estúdio e começa a fazer imagens perversas, excêntricas, no limite do erotismo. O estúdio de Hanah é filmado como uma caverna dos tesouros, onde o brilho de jóias preciosas reluz na escuridão. Violetta começa a adentrar o mundo dos ateliês e das casas de artistas decadentes e da fleuma chique das galerias de arte contemporânea. Um mundo que contrasta com os espaços banais, simples, da escola e da casa da avó. E que se mostra fascinante ao mesmo tempo que traz o amargor da falta de sentido da vida adulta vista pelos olhos de uma criança. O longa seguinte de Ionesco, Une Jeunesse Dorée, parece a exata continuação de My Little Princess. Apesar da protagonista agora se chamar Rose (Galatéa Bellugi), é como se estivéssemos vendo a adolescência e juventude de Violetta. Rose Katia Wyszkop assina a arte que, em parceria com o trabalho de luz e textura da diretora de fotografia Agnès Godard (a fotógrafa dos filmes da Claire Denis), cria ambientes de luxo e decadência que lembram a Estética do Mal das pinturas simbolistas do século XIX, ao mesmo tempo que resgatam o glamour disco da Le Palace - a discoteca que, na década de 1980, era considerada a Studio 54 de Paris. |
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Bibliografia | DELEUZE, Gilles. Proust e os signos. Rio de Janeiro: Forense, 2006. |