ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | Do Cineclube Macunaíma ao cineclubismo atual: histórias de resistência |
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Autor | Claudia Regina d'Almeida Moretz-Sohn |
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Resumo Expandido | Não se pode falar em ecossistema audiovisual brasileiro sem incluir os cineclubes. Nesse universo, há um microcosmo essencial para a memória cultural fluminense: o Cineclube Macunaíma, que funcionou na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no Rio de Janeiro, de 1973 a 1986. Criado por um grupo de jornalistas - como Fichel Davit Chargel e Maurício Azedo, que nos anos 1980 abraçou a carreira política, elegendo-se vereador – o Macunaíma virou um importante polo de encontro de estudantes, intelectuais e profissionais liberais contrários à ditadura militar. O Macunaíma valorizava o cinema de arte e produções nacionais que não tinham vez nas grandes salas. Metade dos filmes exibidos era brasileira, de cineastas como Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos e Joaquim Pedro de Andrade. Para subsidiar a exibição e a discussão posterior, os organizadores distribuíam folhetos com informações sobre diretor e roteiro. Depois, começou-se também a exibir curtas metragens antes do principal. Sem acervo próprio, o Macunaíma exibia títulos cedidos por consulados estrangeiros, distribuidoras paulistas e pela Cinemateca do Museu de Arte Moderna (MAM). Eram filmes tchecos, poloneses, israelenses, palestinos e soviéticos, em plena Guerra Fria. Muitos não escapavam da Censura, que mandou cortar um desfile de trajes eclesiásticos em “Roma”, de Federico Fellini, e cenas de estupro em “Amargo Pesadelo”, de John Boorman. “No fundo, a ideia era trazer jornalistas para começar a discutir problemas sociais, políticos etc., em plena ditadura”, lembra Davit. Essa proposta teve consequências graves: em 1975, no dia seguinte à sessão de “O Encouraçado Potemkin”, de Sergei Eisenstein, Azedo foi preso. O filme não era exibido aqui desde 1964, ano do golpe. Embora se passasse num país distante e muitas décadas antes, seu roteiro lembrava a Revolta dos Marinheiros, anterior à tomada do poder pelos militares no Brasil. O Macunaíma teve papel importante também na formação do público infantil. A partir de 1974, passou a exibir filmes para crianças aos domingos. Eram desenhos animados, comédias de Charles Chaplin, aventuras de faroeste e até o russo “A flor de pedra” (1946), de Aleksandr Ptushko. Após a exibição, a plateia mirim recebia lápis de cor e papel para expressar o que assistira, sem interferência dos pais. O cineclube funcionou até 1986. No entanto, como muitos projetos com objetivo político-cultural, esvaziou-se após a redemocratização, em 1985 (BUTRUCE, 2011). Outro fator crítico para seu fim foi a criação do Cineclube Estação Botafogo, no bairro de mesmo nome. Boa parte da equipe que programava o Macunaíma migrou para o novo empreendimento, faltando mão-de-obra para as duas iniciativas. A volta à democracia não significou, no entanto, o fim do movimento cineclubista no Brasil. Estima-se que existam cerca de 40 cineclubes em atividade no Estado do Rio e mais de 250 no país, a maioria em formato online. Houve, porém, uma mudança importante de foco: enquanto nos anos 1970 e 1980 o Macunaíma debatia grandes temas nacionais – como liberdade de expressão, ditadura, anistia – os atuais “clubes de cinema” discutem questões identitárias e necessidades locais, como racismo, homofobia, violência contra a mulher, problemas indígenas etc. E, graças ao avanço da tecnologia digital – com celulares que filmam e computadores domésticos que editam – também promovem sessões com produções próprias. A “revolução cultural” do fim do século XX a que se refere Stuart Hall (2017) se caracterizou por seu escopo democrático e popular. Sobre o Macunaíma, curiosamente, após mais de 30 anos de portas fechadas, o cineclube ressurgiu de forma virtual em plena pandemia de Covid-19. Em agosto de 2020, sob a curadoria do cineasta Silvio Tendler – ele próprio um ex-cineclubista – a ABI voltou a exibir filmes em seu canal no YouTube, seguidos por debates online. O plano da associação é programar sessões presenciais, como nos velhos tempos, mas ainda sem data marcada. |
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Bibliografia | MACEDO, Felipe. 50 anos da Ditadura - Lições de resistência e democracia dos cineclubes. Academia.edu, 2014. |