ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | Body horror, biological horror: políticas de um corpo em fúria |
|
Autor | Rodrigo Almeida Ferreira |
|
Resumo Expandido | “Qual é a estrutura de um corpo? O que pode um corpo?”, interroga Deleuze (2002, p. 147) para sentenciar: “a estrutura de um corpo é a composição da sua relação. O que pode um corpo é a natureza e os limites do seu poder de ser afetado” (IDEM). O corpo pode ser compreendido em si, pelas suas propriedades compartilhadas e por suas exclusividades, unicidades, ou sendo postulado diante de outros corpos, não mais um corpo isolado do outro, não mais um corpo decomposto, não um corpo apenas corpus, mas o corpo (r)existindo na lógica gravitacional da sociedade: afetando e sendo afetado. Em 2020 e 2021, a experiência da pandemia do Covid-19 reorganizou as formas dos corpos habitarem o mundo: as regras da quarentena, a perda de vidas e empregos, os trabalhos essenciais e não essenciais, a fome, o aumento abusivo dos preços de produtos, o uso do álcool 70% para higienização constante, o uso da máscara, o isolamento social, a necessidade de evitar contato físico e aglomerações, chegando ao limite do lockdown. O mundo entrou em estado remoto e logo firmarmos o temor do corpo, do corpo do outro e do nosso próprio corpo posto em vulnerabilidade e propício a ser contaminado e contaminar, invadir e ser invadido, numa lógica relacional em que passamos a ver uns aos outros como potencial ameaça. Mas esse sentimento de um corpo que ameaça ou um corpo ameaçado vem de muito antes. Dessa forma, se vamos nos perguntar “o que pode ou não um corpo?” é fundamental de antemão marcar uma posição diante de um sistema patriarcal, colonial, racista, machista, sexista, classista, gordofóbico, capacitista e lgbtfóbico: o que podem alguns corpos e não outros? Quais corpos podem debochar diante de agentes da polícia, enquanto outros corpos temem tanto essa instituição que jamais agiriam assim? Quais corpos se beijam na rua tranquilamente sem medo de receberem uma agressão, sem medo de serem julgados? Que corpos caminham sem reterem os olhares de suspeita, de crítica, de medo? Quais corpos sobem num elevador social de um condomínio de luxo? Quais corpos se sentem a vontade seminus na praia? Quais corpos expressam livremente seus desejos durante a adolescência? Quais corpos são seguidos por seguranças num supermercado? Portanto, como não entender a fúria de corpos estruturalmente e sistematicamente perseguidos ao longo de séculos e ainda hoje? A presente proposta parte do gênero do "body horror" e do "biological horror" dos filmes Shivers (1975) e Rabid (1977), de David Cronenberg como caminho para refletir sobre as políticas de um corpo em fúria no contemporâneo, especialmente a partir da experiência coletiva da pandemia do Covid-19. Em diálogo com Linda Williams e outros autores, traçamos um paralelo entre corpos esteticamente furiosos e dissonantes das obras, corpos desumanizados e situados no campo da monstruosidade, com corpos socialmente lidos desta mesma forma na sociedade. Representam um pouco todos os corpos não adequados ao padrão, corpos queer e subalternizados, agentes de quebra de normas corporais e tabus comportamentais, assim como do engajamento de uma radical transformação social: "O padrão global moderno impôs estas alegorias humanas de Outros, diferenciadas na aparência, em que preconceitos de cor, geração e capacidade física, aperfeiçoam opressões antinegros e antimulheres – mercadorias humanas da matriz colonial moderna heteropatriarcal do sistema mundo" (AKOTINERE, 2019, p. 35). O que o body horror, suas tecnologias da monstruosidade e da dissidência sexual, racial e corporal, tem a nos dizer sobre os corpos queer e de grupos subalternizados? Nessas narrativas são apresentados personagens furiosos, enfurecidos, tomados por um frenesi de pura cólera: o corpo abjeto/objeto que se torna sujeito. São vetores capazes de provocar a ruína do sistema, do mundo, da própria espécie humana. Mas também nos lançam a outro questionamento: será que esse mundo precisa acabar para darmos início a um outro construído e constituído por outros corpos? |
|
Bibliografia | AKOTIRENE, Carla. Interseccionalidade. São Paulo, 2019. |