ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | André Bazin, o automatismo e as vanguardas históricas |
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Autor | Hermano Arraes Callou |
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Resumo Expandido | Esta comunicação pretende propor um caminho interpretativo para o conceito de imagem automática apresentado no ensaio célebre de André Bazin “Ontologia da imagem fotográfica”. A nossa interpretação da formulação de Bazin tomará como horizonte comparativo a noção de automatismo desenvolvida no contexto da história da arte pelas vanguardas históricas. O termo aparece pela primeira vez no discurso dos artistas dadaístas e surrealistas do início do século XX, exprimindo um conjunto de práticas artísticas baseada em uma certa renúncia da atividade de expressão consciente e de composição deliberada. O recurso a métodos automáticos era parte de uma interrogação radical das vanguardas a respeito da natureza da obra de arte, fundada, em suas primeiras formulações, em uma certa dialética entre arte e acaso. Um dos gestos mais significativos de “Ontologia da imagem fotográfica” consiste na reivindicação do automatismo como a garantia da originalidade do cinema: “pela primeira vez, uma imagem do mundo exterior se forma automaticamente, sem a intervenção criadora do homem” (2018, p. 31). O critico confrontava, assim, a posição estabelecida pelos primeiros teóricos do meio de que a condição automática do aparato ameaçava a própria definição do cinema enquanto arte. A “arte começa quando a reprodução mecânica termina”, escrevia Rudolf Arnheim em 1932 (1957, p.57), alertando para o “grave perigo” dos cineastas se contentarem com a “reprodução sem forma” (ibidem, p.35). A “cinematografia teria permanecido apenas reprodução mecânica”, escrevia por sua vez Béla Balázs, sem o desenvolvimento dos recursos formais e expressivos do meio (1970, p.93). O ensaio de Bazin propunha, contudo, que aquilo que no cinema era irredutível ao processo de expressão e composição era, na verdade, decisivo para sua originalidade. O seu ensaio nos convida, portanto, a perguntar em que sentido a defesa do automatismo por Bazin depende da experiência das vanguardas e pode ser melhor compreendido tendo ela como quadro referência. A “gênese automática” da imagem cinematográfica celebrada por Bazin não costuma ser interpretada tendo em vista os procedimentos artísticos introduzidos pelas vanguardas. A historiografia das teorias do cinema tradicionalmente concebe o crítico como um defensor do realismo, cujas reflexões estariam muito distantes das preocupações que marcaram a experiência do modernismo. O crítico, contudo, sugere, em um comentário sobre os filmes científicos de Jean Painlevé, ver um vínculo decisivo entre as duas problemáticas, apenas aparentemente díspares. A câmera de cinema, diz Bazin, adentra um universo em que “a suprema beleza se identifica com a natureza e o acaso”, que “uma certa estética tradicional considera como o contrário da arte”: um mundo que “apenas os surrealistas pressentiram a existência” pelo exercício do “automatismo quase impessoal de sua imaginação” (1958, p.38). A comparação de Bazin sugere uma afinidade entre cinema e vanguarda na maneira como ambos desenvolvem uma certa dialética entre arte e não-arte, fundada em um modo de proceder em comum: um modo de operar pelo qual o artista esvazia a si mesmo, concedendo parte da gênese da forma e da expressão a um processo involuntário, capaz de conservar o que não é obra no interior da obra. |
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Bibliografia | ANDREW, Dudley. André Bazin. New York: Oxford University Press, 2013. |