ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | Gaviões e Passarinhos e Terra em transe: o luto da esquerda em DIL |
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Autor | Leandro Rocha Saraiva |
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Resumo Expandido | Pasolini realizou Gaviões e passarinhos (1966) como uma resposta prática ao seu famoso texto “O cinema de poesia” (1965). No texto, ele fazia um balanço das mais significativas variantes do cinema moderno que lhe era contemporâneo, e no filme ele buscava superar limites apontados por sua reflexão teórica. Terra em transe (Glauber Rocha, 1967), todos sabemos, também quis, e conseguiu, ser um marco definidor de um novo modo de se fazer Cinema Novo. Glauber tomava, sobretudo, sua própria trajetória, recente e brilhante, como estágio a ser superado. As duas obras tem em comum mais do que o tema da derrota das esperanças de esquerda, na Itália e no Brasil da segunda metade dos anos sessenta. Há conexões formais, que podem ser teorizadas a partir do conceito de discurso indireto livre (DIL), que Pasolini modificou, visando a passagem do âmbito literário ao cinematográfico, para “subjetiva indireta livre”. De modo grosseiro, a teorização pasoliniana utiliza-se do conceito da técnica cinematográfica – câmera subjetiva – para apontar a subjetivação da objetividade narrativa produzida pelo ideal de transparência do cinema clássico, estendendo essa inflexão lírica para o conjunto, ou pelo menos grande parte, de um filme. É por essa via de reflexão que o teórico Pasolini caracteriza a obra de autores de grande destaque daquele momento do cinema moderno. Ismail Xavier se apropria desta reflexão para, em seu capítulo de abertura de Alegorias do Subdesenvolvimento, dedicado a Terra em transe. Ele chama a subjetivação da narrativa a partir do foco em Paulo Martins de “princípio de coerência”. Mas os dois filmes aqui em questão estão compostos segundo o sentido atribuído por Pasolini em seu famoso ensaio? A resposta, acredito, é dupla, ambivalente. De modo mais imediato, é não. Gaviões e Passarinhos é uma resposta do Pasolini cineasta ao questionamento apresentado pelo Pasolini teórico ao cinema moderno por ele analisado. Godard, Antonioni, Bertolucci são criticados, em seu uso do discurso indireto livre para compor uma expressividade poética que tem por “álibi”, diz o autor, a “neurose burguesa” de suas protagonistas. É contra este cinema, lukacsianamente caraterizado como burguês, que Gaviões e Passarinhos se insurge. Como Xavier demonstra, de forma cabal, a narração, em Terra em transe, vai além do horizonte subjetivo de Paulo Martins, alcançando estatuto de alegoria nacional. O que permite a aproximação à Gaviões e Passarinhos - também alegórico, também interessado numa revisãp histórica que ultrapassa subjetividades. Mas, por outro lado, se olharmos para a condenação dos autores “neuróticos e burgueses”, no ensaio de Pasolini, como um caso específico (com exageros polemistas) de uma visão mais ampla do discurso indireto livre, que se revela mais claramente na leitura de outros ensaios de Empirismo Herege, aí a resposta quanto à presença do discurso indireto libre em Terra em transe, e também em Gaviões e passarinhos, será positiva. Mais que isso, essa visão ampliada do discurso indireto livre, que vê a contaminação do conjunto da narrativa pela subjetividade de um personagem como um dos efeitos possíveis da flutuação da instância narrativa, capaz inclusive de assumir formas discursivas coletivas, nos permite olhar para os filmes anteriores, tanto de Pasolini como de Glauber, como outros casos de discurso indireto livre, amalgamados a formas discursivas populares. Finalmente, a proposta de fundo desta comunicação é caracterizar o luto cinematográfico das propostas de esquerda, no Brasil pós-Golpe e na Itália neocapitalista, em Terra em transe e em Gaviões e passarinhos, nos termos das variações nos arranjos de incorporações de formas discursivas coletivas, ou seja, nos modos de emprego cinematográfico do discurso indireto livre. |
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Bibliografia | BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoievski. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1997. |