ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | Cores artificiais: transgressões estéticas no cinema brasileiro |
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Autor | Iomana Rocha de Araújo Silva |
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Resumo Expandido | Observando filmes como Boi Neon (2015, Gabriel Mascaro), Azougue Nazaré (2018, Thiago Melo), Amor, plástico e barulho (2013, Renata Pinheiro), Inferninho (2018, Guto Parente e Pedro Diógenes), Doce amianto (2013,Guto Parente e Uirá dos Reis), observa-se, em meio a uma estética naturalista e crua, uma interessante recorrência da presença de uma paleta de cores vivas, com tons vibrantes e até fluorescentes, em combinações por vezes improváveis, adentrando uma polêmica estética que costuma ser chamada de “Brega”. Nestes filmes, a presença dessas ousadas cores vibrantes nos cenários, objetos e figurinos, seja de forma pontual, seja metaforicamente extravagante, contextualizam universos que se opõem ao que semanticamente se associa ao refinado no âmbito de uma estética tradicional. Tomando como base as ideias de Baudrillard (2012) sobre os valores de ambiência, mais especificamente no que diz respeito a cor, busco apontar algumas questões acerca do uso dessas paletas na direção de arte destes filmes. Baudrillard traz o conceito de “cor tradicional”, que segundo ele é aquela cor negada como tal, recusada como valor pleno, associada ao reducionismo que o interior burguês propõe com a sobriedade dos matizes. Segundo ele, há neste contexto uma recusa moral da cor. Outro conceito trazido por ele é o de “cores naturais”, aquelas que são opostas às cores vibrantes. Observando historicamente a presença das cores nos objetos e interiores, Baudrillard coloca que essa presença se efetiva tardiamente, ocorrendo ao mesmo tempo que a popularização de materiais sintéticos, mas essa aparição das cores não ocorre pacificamente: “por se afirmar como tal, a cor é logo vista como agressiva” (2012, p. 39) e logo é repudiada, havendo um retorno aos matizes discretos. Baudrillard fala que há uma espécie de obscenidade da cor que a modernidade, após haver exaltado, a repudia. Ele fala ainda que no âmbito burguês se evoca a cor natural em oposição à artificialidade violenta, enquanto que no âmbito das produções em série a cor viva é vivida como sinal de emancipação, compensando frequentemente a falta de qualidades mais fundamentais. Partindo desses conceitos de cor tradicional, cor natural e da ideia da cor como emancipação, observamos que dentro do contexto brasileiro essas cores vibrantes foram reconfiguradas socialmente. Nestes filmes observados, ao explorar as “cores artificiais” na representação dos universos, a direção de arte enfatiza simbolicamente a potência desses contextos e personagens cujas cores fazem parte de suas realidades cotidianas. Essas cores, associadas ao excesso, ao extravagante, extrapolam conscientemente a contenção imposta pela normatividade moral da alta cultura. Vemos essas cores como uma forma de frisar e exaltar, na construção das imagens fílmicas, a existência pulsante desses espaços dissidentes: o interior nordestino em Azougue Nazaré e Boi Neon, a periferia de Recife em Amor, plástico e barulho, bares queers undergrounds e universos particulares de personagens marginais que sofrem constante tentativa de invisibilidade, como em Inferninho e Doce Amianto. Em todos esses casos a cor vibrante se torna uma transgressão moral, um recurso estético de resistência e de auto afirmação. Defendemos que a opção da direção de arte por estas paletas de cores fortes e vibrantes, associadas a estes personagens e espaços se dá conceitualmente como a resistência metafórica de um universo marginalizado e invisibilizado, uma fuga estética que sugere outros mundos possíveis, outras formas de existência para além da imposta pela estética elitista mainstream. |
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Bibliografia | BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos. São Paulo: Editora Perspectiva, 2012 |