ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | Os nove da fama, Ulisses e Alice: fronteira literária no audiovisual |
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Autor | Dirceu Martins Alves |
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Resumo Expandido | O trabalho discute os critérios de criação de personagens nas narrativas antigas, que se baseavam nos mitos, passando pelas novelas de cavalaria e Dom Quixote, livro que inaugura o gênero romance, acompanhando as personagens nas perspectivas narrativas contemporâneas, tanto para o suporte livro, como também para filmes, séries de TV e outros formatos de audiovisual. Novas personagens como Alice no País das Maravilhas, ou recriação de Ulisses, de James Joyce, são ícones de propostas radicais, já nas fronteiras do literário com o audiovisual, e novas abordagens com o tempo. A metodologia está baseada na análise da tradução intersemiótica (PLAZA, 2012). Os narradores escolhiam para personagens de suas histórias pessoas reais, que haviam praticado grandes feitos em vida. E, na falta de pessoas reais, podia-se retirar da mitologia um herói, que a partir da imaginação poética do narrador, ia se encaixando no enredo, dilatando o pathos (conflitos), para estimular sentimentos de piedade, tristeza, melancolia, ternura, ou justiça, culminando tudo num ethos (ética). Pois, “o imaginário não pode se dissociar da ‘natureza humana’, - do homem material”, MORIN (2014). Em outros termos, os heróis precisavam ter uma vida rica em conflitos. James Joyce refutou Cristo como personagem e escolheu Ulisses, porque este, ademais de guerreiro, fora esposo e pai. Não por acaso GILBERT (1958), em seu estudo sobre o Ulisses, de Joyce, argumenta que Homero teria estudado as navegações dos fenícios, para encontrar em Odisseu um nome exato. Moisés mereceu ser personagem de muitas narrativas pelo grande feito de libertar o povo de Israel da escravidão no Egito, abrir o Mar Vermelho etc. Davi venceu Golias, além de tantas outras batalhas. Já na mitologia a criação de uma personagem pode levar centenas de anos. “Grande parte do mito grego nada mais é do que história político-religiosa”, GRAVES (2018). O segundo paradoxo do grego Zenon apresenta uma equação matemática, na qual Aquiles aposta uma corrida com a tartaruga. Por ser mais rápido, Aquiles dá 10 metros de vantagem para a tartaruga. Aquiles corre 1 metro, a tartaruga corre 1 centímetro. Aquiles corre o centímetro, a tartaruga corre 1 milímetro. E assim até o infinito, sem que Aquiles possa alcançar a tartaruga, o que não ocorreria na práxis. Mais tarde Aristóteles corrigiu o erro de Zenão. Considerando que Zenão de Eleia, filósofo pré-socrático, viveu de"490 a.C.” a "430 a.C.", e teria divertido seus interlocutores com os seus paradoxos e jogos dialéticos, me faz refletir uma fala de Borges quando diz que gostaria de conhecer o poeta anônimo que dotou essa equação de dois personagens: Aquiles e a tartaruga. Quantos anos teria levado para que dessem contornos de narrativa para o paradoxo numérico? É função do poeta dotar as narrativas e o mundo de personagens. Aquiles vem da mitologia grega, um herói quase invulnerável, não fosse o calcanhar seu ponto fraco, fragilidade que segundo CARRIÈRE (2007), todo herói precisa ter para ser amado pelo público, e que Shakespeare a teria entendido como “essência de vidro”. Essa que em Dom Quixote é a loucura, pois sai em busca de aventuras, sonhando que seus feitos e façanhas lhe tragam a glória. Dom Quixote fala que pretende superar até mesmo as personagens mais cantados no romanceiro medieval e das novelas de cavalaria, Os nove da fama, que eram compostos por 3 Hebreus: Josué, Davi e Judas Macabeu; 3 Pagãos: Heitor, Alexandre Magno e Júlio César; 3 cristãos: Rei Arthur, Carlos Magno e Alexandre de Bulhão. Alguns eram pessoas reais, outros inventadas da mitologia, mas todos com uma vida rica em feitos para “jornada do escritor”, VOGLER (1997). Para as narrativas do cinema, e do audiovisual em geral, hoje em dia, podemos criar uma personagem sem caráter, sem virtudes. E até mesmo uma personagem como Bartleby, de Melville, que se recusa a agir. Ou os personagens de fala de Beckett, que apenas esperam Godot. O cinema as absorve, as narrativas antigas e medievais não. |
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Bibliografia | CARRIÈRE, Jean-Claude. Fragilidade. Ensaios. Tradução Rejane Janowitzer. Rio de Janeiro: Objetiva, 2027. |