ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | O devir da continuidade: o cinema e os paradoxos de Zenão |
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Autor | Julio Bezerra |
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Resumo Expandido | Na Grécia antiga, Parmênides explorou um caminho para a verdade apenas por meio da razão pura, um caminho que o levou a declarar que todas as aparências são ilusórias. Seu pupilo, Zenão, apresentou argumentos sutis em apoio a esse racionalismo fundamentalista. Entre esses argumentos, havia uma série de célebres paradoxos que procuram mostrar como toda aparência é ilusória e a noção corriqueira de movimento está errada. Seus paradoxos atravessaram a filosofia ocidental e poucos foram aqueles que não se debruçaram sobre eles, de Aristóteles a Deleuze, passando por James, Bergson e Whitehead. Para este último, Zenão é formativo para sua própria concepção de tempo e processo, de modo que só pode haver, como ele diz, um “devir da continuidade”. O cinema também oferece sua visão particular de Zenão. Durante uma projeção, muito do movimento ou do tempo registrado pela câmera simplesmente não está ali, perdido nos interstícios entre os quadros. Esses interstícios, cruciais para a representação do movimento, devem permanecer como não reconhecidos. Não temos a ilusão de que o movimento no cinema seja “real”, mas é ele experimentado como uma espécie de fantasma ou simulacro. Como uma representação adequada do movimento no tempo parecia ser um resultado poderoso da tecnologia cinematográfica, o cinema parecia abordar, ou mesmo resolver, o paradoxo de Zenão. Nos anos 20, Epstein dava crédito a Zenão por entender que “a análise do movimento rendeu uma coleção de paradas”, mas o culpa por não ter percebido o aparentemente impossível – sua síntese absurda no cinema, que destrói a oposição entre o contínuo e o descontínuo. Bergson vinculou diretamente uma discussão sobre a ilusão cinematográfica do movimento e os paradoxos de Zenão, e acusou ambos do mesmo erro – o de tentar reconstituir o movimento a partir de estados ou instantes estáticos. A rejeição inflexível de Bergson ao cinema como uma representação adequada do tempo coloca problemas para Deleuze, que, em seus volumes sobre cinema, convoca Bergson como uma espécie de princípio orientador de sua empreitada cinematográfica. E a tecnologia digital: ela altera a visão do cinema sobre Zenão? Onde a fotografia analógica e a cinematografia preservam os vestígios de uma realidade profílmica preexistente, os meios digitais parecem apagar esses vestígios, traduzindo-os em um código. Sem a garantia da fundamentação indicial do cinema analógico, autores como Rodowick, chegam a dizer que a mídia digital é incapaz de nos fazer sentir a experiência do tempo na duração. E quanto aos sistemas de modelagem tridimensionais totalmente gerados por computador – como o usado no videoclipe “Splitting the Atom”, do Massive Attack? Eles podem reduzir a duração a “uma seção imóvel + movimento abstrato”, assim como Bergson temia e Zenão sugeria, decompondo a realidade em uma série de instantâneos espacializados? Para Shaviro, o som, quando levado em consideração, complica as coisas, pois “uma certa espécie de temporalidade irreversível retorna, assombrando acusmaticamente o espaço do qual o tempo foi banido”. São estes os caminhos e as questões que nos propomos a atravessar. O cinema é fundado no princípio do processo. O fluxo da realidade é ininterrupto, mas também é feito de estados heterogêneos que podem ser diferenciados, mas não separados dentro do fluxo, feito de uma série de legados, de repetições e transmissões, um ritmo de entradas e saídas, um meio totalmente audiovisual. O digital nos fazer ver no horizonte o movimento (ameaça ou oportunidade) do tempo para o espaço - e uma espécie de ontologia pós-cinemática. Os paradoxos de Zenão nos permitem apresentar contrastes entre concepções de devir e nos ajudam a navegar por essas questões. O cinema consegue escapar dos paradoxos ao mesmo tempo em que aceita seus termos. Nesta apresentação percorreremos as abordagens de Whitehead e Bergson a Zenão, investigando também, com a ajuda de Deleuze, Epstein e Shaviro, onde o cinema se posiciona nessa discussão. |
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Bibliografia | Bergson, henri. A evolução criadora. São Paulo: Martins Fontes, 2005. |