ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | Grace Passô, o surrealismo e nós |
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Autor | tatiana a c costa |
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Resumo Expandido | Neste trabalho, recupero a discussão de Suzanne e Aimé Césaire a respeito do Surrealismo, associando ao pensamento de outros autores antilhanos e a pensadoras negras brasileiras e de outras diásporas Afro-Atlânticas como Dionne Brand, Lélia Gonzalez e Maria Beatriz Nascimento, para dar conta da pujante obra audiovisual de Grace Passô. A análise centra-se no projeto Ficções Sônicas. A expressão “o surrealismo e nós” é uma citação direta do título de um artigo publicado por Suzanne Césaire no número 8-9 da revista Tropiques, em outubro de 1943. Nele, a autora martinicana revisita o que ela nomeia como “modo de expressão” criado pelo poeta francês André Breton, afirmando a atualidade dele, naquele momento, no contexto de sua região. “...longe de contradizer, ou de atenuar, ou de desviar nosso sentimento revolucionário da vida, o surrealismo o apoia. Ele alimenta em nós uma força impaciente...” (CÉSAIRE, 2021, p. 63) Somos chamados a nos conhecer enfim a nós mesmos, e diante de nós estão os esplendores e as esperanças. O surrealismo devolveu-nos uma parte de nossas possibilidades. Cabe a nós encontrar as outras. Sob sua luz. (CÉSAIRE, 2021, p. 57) A ensaísta canadense Dionne Brand nos diz que o pertencimento “negro” é “alojado em uma metáfora”: “uma criação dos impérios e também uma auto-criação”. Em sua discussão sobre as possibilidades de uma poética para a figuração de pertencimentos dos sujeitos na diáspora Afro-Atlânticas, Brand cria uma cartografia partindo de uma das origens da travessia oceânica. “É como ser um ser vivendo dentro e fora de si mesmo. É como captar o sinal feito por alguém sendo ainda incapaz de escapar dele, exceto em momentos de normalidade transformados em arte.” (BRAND, 2022, p.33). Em diálogo, neste trabalho, com Maria Beatriz Nascimento (1989), a travessia nos coloca em uma condição “transatlântica” que recria, neste trânsito, o sentido da nossa própria existência. O corpo da negrura, desse ser “vivendo dentro e fora de si mesmo”, ou aqui nomeado de corpo-ficção , é interpelado e forjado por essa dimensão inventada do que nos nomeia como uma outridade, e se engaja a partir da potência de invenção – fabulação – de si que constitui os sujeitos não-hegemônicos. A crítica e ensaísta Soraya Martins nos diz que obra de Grace Passô se interessa por “inventariar imagens fabulantes” . Mais que fabular imagens que possam ser inscritas na lógica da representação – ou da representatividade – a partir de seu corpo da negrura, Grace Passô apresenta, com suas “imagens fabulantes”, possibilidades de abertura de significados, com uma modulação na própria forma das obras. Sua produção parte de seu corpo racializado: Grace é uma mulher negra. Um corpo-ficção que opera, em sua criação, na chave do que Leda Maria Martins (1997) chama de “oralitura”. O projeto Ficções Sônicas é uma transcriação da peça radiofônica Para dar Um Fim ao Juízo de Deus, último texto de Antonin Artaud (1896-1948). A primeira parte da obra – um experimento sonoro – estreou online no dia 13 de dezembro de 2020 no 10ª Festival Novas Frequências e a continuidade desse projeto integrou a programação da 34ª Bienal de São Paulo. Como desdobramentos, um curta-metragem de exibição única no Flaherty Film Seminar de 2021 e uma peça filmada, Ficções Sônicas #02: FeiTiÇo, com exibição online no mesmo ano e transformada em média-metragem no circuito de festivais de cinema. No experimento sonoro, base dos desdobramentos do projeto, a cada modulação dos sons que emite, combinados aos samples organizados pelo compositor e DJ Barulhista, Passô nos oferece desdobramentos, recomposições e reposicionamentos de significados sobre a existência dos corpos-ficção, os corpos da negrura em nossa transatlanticidade. |
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Bibliografia | BRAND, Dionne. Um mapa para a porta do não-retorno: notas sobre pertencimento. Rio de Janeiro: A Bolha Editora, 2022. |