ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | Passage, de Dani Karavan: um cinema imaginário à Walter Benjamin |
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Autor | Maria Angélica Del Nery |
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Resumo Expandido | Na fronteira entre Espanha e França, entre terra e mar, entre fuga para a vida e decisão pela morte, há um redemoinho: um acontecimento que não cessa de se fazer e se desfazer. FRONTEIRA E VIDA. 25 de setembro de 1940. Walter Benjamin, filósofo judeu alemão expatriado pelo nazismo, segue em rota de fuga pelos Pirineus quando a França é ocupada. Em Portbou, pequena cidade catalã na fronteira entre França e Espanha, Benjamin tem sua passagem recusada. O caminho se fecha, o plano de chegar aos EUA se fecha, a vida se fecha. Um homem contra três Estados. No dia 26, em um pequeno hotel, Benjamin morre após ingerir uma dose letal de morfina. FRONTEIRA E MEMÓRIA. Lá, onde fora sepultado, mas já não se sabe sepultura, há um memorial, uma obra do artista Dani Karavan intitulada "Passages, Homage to Walter Benjamin (1990-1994)". No descritivo da obra constam: redemoinho, vento, rochas, pedras, ciprestes, oliveiras, aço corten, cerca, vidro e texto. "Passages" é composto por três intervenções arquitetônicas na paisagem, três estações construídas em aço corten dispostas em um itinerário a ser percorrido livremente na relva que ladeia o cemitério. Em uma trilha ascendente, a primeira estação consiste em quatro degraus de onde se mira o vilarejo, as montanhas, o mar. Seria um convite a contemplar a última visagem, o último desejo de Benjamin? A segunda estação fica na continuação da trilha, bem atrás do cemitério. Onde vegetação nativa e exógena se misturam, onde uma tela de arame impede a livre vista do mar, um cubo sobre um piso de aço corten nos convida a sentar. Um convite a pensar, a meditar? A terceira estação é uma passagem que perfura a encosta em direção ao mar. Por um portal em aço entramos em um túnel em forma de escadaria, que ora se fecha e ora se abre para o céu, e que no seu extremo nos dá a visão do movimento das águas. Antes do último degrau, um vidro detém o caminho, e nele lê-se uma frase de Benjamin sobre a construção histórica e a memória dos que não tem nome. Deste ponto último, um enquadramento fechado direciona nosso olhar para um acontecimento: um redemoinho. Água e vento dançam em espiral no infinito do tempo. Uma repetição em variação. Sentar-se nos degraus de aço e contemplar o movimento das águas trouxe-me a sensação de estar em uma sala de cinema a ver um filme. FRONTEIRA E CINEMA. Esta experiência poder-se-ia dizê-la cinematográfica? Se há a sala, o quadro e a visão de movimento, o que faltaria? A sensação de se ver um filme pode ser uma experiência cinematográfica? O cinema pode acontecer sem qualquer suporte imagético, diante da vida mesma? Pensar o cinema na fronteira com outras artes nos situa no campo da percepção mais do que no campo das especificidades das mídias. Para analisar "Passages" como um dispositivo na fronteira entre paisagem, arquitetura e cinema, parto de algumas reflexões sobre percepção e real, arquitetura e cinema, pintura e cinema, fotografia e cinema. Em "O visível e o invisível", Merleau-Ponty diz que “cada percepção é mutável e somente provável”, “são variantes do mesmo mundo”, “todas verdadeiras” (1992, p.49). Em "Arquitetura e Montagem", Eisenstein vê na Acrópole de Atenas perfeito exemplo de um dos filmes mais antigos (1989, p.2). Em "O olho interminável", Aumont, ao analisar as vistas dos Lumière, refere-se à tomada de cena como representação, operação estética sobre o real (2004, p.43). Em "Photografia & Cinéma", Philippe Dubois, ao dispor sobre formas e matérias que agenciadas nos dão a ver um filme imaginário, fala em efeito filme (2021, p.111). No meio do caminho, lembro-me de reler "A Máquina do Mundo" e, num átimo, a estrada pedregosa de Minas pareceu se transportar para a costa da Catalunha. Pode a forma da obra artística colocar limite à experiência poética? Falar de Walter Benjamin é falar de experiência. "Passages", ao operar de modo a promover uma experiência cinematográfica àquele que olha, contempla e imagina, seria cinema? |
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Bibliografia | ANDRADE, C. Drummond de. A máquina do mundo. In: Claro Enigma. RJ: 1995, p. 121-124. |