ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | Um percurso fílmico-cartográfico nos limites da capital argentina |
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Autor | Caio Bortolotti Batista |
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Resumo Expandido | Os sociólogos Mimi Sheller e John Urry concluem o texto “The new mobilities paradigm” (2006) com o vislumbre de um horizonte epistemológico transdisciplinar: “Novas mobilidades estão trazendo à luz novas e surpreendentes combinações de presença e ausência à medida que o novo século se desenrola de forma caótica. Métodos e teorias precisarão estar sempre em movimento para acompanhar estas novas formas de mobilidade, novos sistemas de programação e monitoramento e novos modos móveis de inclusão/exclusão social (...).” (URRY; SHELLER, 2006, p. 222, tradução minha). Nesse contexto, seria possível perceber o cinema – arte das imagens em movimento –, em sua vocação de se produzir por meio de trajetórias (de imagens e sons, de discursos, de personagens, de expectativas), como um lugar privilegiado onde se encontram esses concertos entre “presença” e “ausência” suscitados por Sheller e Urry? Tanto no nível formal do enquadramento da câmera quanto no nível narrativo do roteiro ficcional, o cinema resulta da dinâmica entre o que é “incluído” e o que é “excluído”: entre o “campo” e o “fora de campo”. Segundo a definição do filósofo Gilles Deleuze (2018, p. 35), “o fora do campo remete ao que, embora perfeitamente presente, não se ouve nem se vê”. Tal relação revela uma qualidade potencialmente porosa e indiciática da arquitetura fílmica – a qual, a depender de fluxos específicos de significados e informações, assinala barreiras de variadas ordens entre espaços geograficamente contíguos, mas também continuidades entre espaços aparentemente não relacionados, comunicações de outra forma improváveis, trânsitos por locais interditados, concretos ou imaginados. Propõe-se aqui uma contribuição dos estudos fílmicos para o “novo paradigma das mobilidades” a partir dos espaços fílmicos do longa-metragem de ficção La Salada (Juan Martin Hsu, 2014), que narra experiências migratórias específicas no século XXI, em busca de mobilidades e imobilidades que aprofundem a compreensão dos espaços sociais com que o filme se relaciona – o principal deles sendo, neste caso, uma grande feira popular localizada em dois edifícios nos limites da cidade de Buenos Aires, Argentina. A obra flui da mistura e do entrelaçamento cultural entre migrantes (uma família coreana, um jovem solitário de Taiwan, um tio e um sobrinho chegando da Bolívia) e comerciantes locais no mercado que dá nome ao filme. O “campo” em La Salada dá a entrever o “fora do campo” do percurso migratório: a viagem e suas dificuldades, o espaço deixado para trás, a sociedade mais ampla de chegada, da qual a feira é uma espécie de ponta do iceberg: “um lugar privilegiado para mostrar a multiplicidade de economias e de processos de trabalho heterogêneos nos quais se materializa o sistema econômico global” (GAGO, 2012, p. 64, tradução minha). Nesse movimento entre espaços fílmicos e espaços sociais, busca-se uma cartografia mais múltipla e aberta de determinados processos migratórios na região, ao mesmo tempo em que o próprio cinema é posicionado como alvo movediço de observação quanto a suas possibilidades epistemológicas. Ao contrário de uma análise mais “sedentária” (SHELLER, URRY, Op. Cit.: p. 214), que enxergaria a feira apenas pelo intermédio da descrição de formações já estabilizadas, buscamos seguir as dinâmicas que vão permitindo que este lugar deixe de ser este lugar, a cada momento, como um “plano de consistência”, com potência de seus devires (DELEUZE; GUATTARI, 1987, p. 254). Tal caminho metodológico que utiliza o cinema como dispositivo de visibilidade de transições, que valoriza o “fora de campo”, por exemplo, como antídoto contra a supressão de alteridades constitutivas – e abrindo espaço para o “contágio de ideias estranhas, a circulação de estrangeiros e os encontros imprevisíveis” (CAIAFA, 2019, p. 16) –, parece encontrar ressonâncias importantes na chamada “virada das mobilidades”, colaborando para a aplicação e expansão de interessantes ferramentas conceituais. |
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Bibliografia | CAIAFA, Janice. “Comunicação, subjetividade e transporte nas cidades”. Novos Olhares, v. 8, n. 1, p. 7-19, 2019. |