ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | Paisagens e intervenções digitais no cinema brasileiro |
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Autor | Sabrina Tenório Luna da Silva |
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Resumo Expandido | A eleição da arquitetura e da paisagem estão na base da cenografia cinematográfica (HAMBURGER, 2014, p. 32). Nos filmes Aquarius, As Boas Maneiras e Inferninho, os espaços ocupados pelos personagens são tema das obras e as intervenções digitais um elemento estético, discursivo e político. O cenário ocupado pelos personagens de Inferninho dá nome ao filme. Aquarius é um filme sobre Recife, que trata do processo de gentrificação da cidade. As Boas Maneiras se passa em uma São Paulo que recebe intervenções digitais na paisagem para expressar a visualidade do filme em consonância com o gênero de horror fantástico, levantando também questões de classe, raça e gênero. Em Aquarius, o diretor decide apagar as Torres Gêmeas (expressão pela qual são conhecidos os edifícios Píer Maurício de Nassau e Pier Duarte Coelho) do seu filme. Tal intervenção funciona como uma afirmação política e foi realizada em consonância com os diretores de arte Thales Junqueira e Juliano Dornelles. A visualidade do filme conta com escolhas estéticas de uma vertente realista, marcada pelo uso de objetos e figurinos que conectam o apartamento de Clara, personagem principal, à praia e ao espaço urbano. Os móveis do seu apartamento representam a sua história e a de familiares que viveram naquele espaço, oferecendo solidez à personagem. Aquarius retrata a cidade habitada por Clara, mostrando os conflitos cotidianos entre um Recife que resiste e outro que busca transformar a cidade de forma avassaladora. A intervenção digital, que ocorre de forma pontual na obra, “cria uma nova paisagem, sem a escandalosa deformação urbana que as torres representam, uma mensagem política, de não aceitação do cenário violento que nos é imposto” (JUNQUEIRA, 2017, p. 153). Uma forma distinta de intervenção digital nas paisagens ocorre em As Boas Maneiras. Com direção de arte de Fernando Zuccolotto, o filme é um terror fantástico que se inicia com a relação entre a enfermeira Clara, e Ana, que está grávida e a contrata para ser babá. A direção de arte do filme utiliza as cores complementares laranja e azul na sua base, aplicadas em diversas tonalidades. O ambiente físico é retocado pelo uso de matte paintings, técnica digital que mistura imagem filmada e paisagem pintada. A técnica foi utilizada para criar alguns dos cenários do filme, entre eles os prédios vistos das janelas do apartamento de Ana. A Lua Cheia, elemento de forte teor narrativo, também ganha a proporção desejada devido ao digital. As intervenções, além de oferecerem uma atmosfera de fabulação à obra, acentuam o contraste entre a São Paulo habitada por cada uma das personagens. Inferninho, que conta com direção de arte de Tais Augusto, conta com um orçamento bem menor do que Aquarius e As Boas Maneiras, o que apresenta influência direta na produção. O filme se passa em apenas uma locação, os personagens usam quase sempre os mesmos figurinos e os ambientes externos são representados por um chroma key que não tem intenção de ser realista. As paisagens mostradas são sonhos de Deusimar, que tem o seu desejo de conhecer o mundo anunciado pela chegada do marinheiro Jarbas. Ela, por fim, sai do bar depois que a exploração imobiliária chega na área. Em suas viagens pelo mundo, vemos pontos turísticos conhecidos projetados na tela verde. O uso do chroma key para representar as cenas externas, não apenas enriquece a atmosfera de refúgio e estranhamento transmitida pelo filme: ela é, também, um posicionamento político. Inferninho versa também sobre a produção cinematográfica em si, apresentando uma forma de fazer cinema mais experimental, onde a representação fiel da realidade é questionada. Os filmes utilizam as locações e paisagens de formas distintas entre si, mas se conectam no tocante às intervenções digitais que realizam no espaço e através dos discursos que estas despertam, apresentando um campo amplo de debate para as práticas de direção de arte e construção de visualidades no cinema brasileiro. |
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Bibliografia | GOMES, Renato Cordeiro; SICILIANO, Tatiana Oliveira. Rastros e imagens sobreviventes na era de Aquarius: corrosão e gentrificação na metrópole de Kléber Mendonça Filho. Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação | E-compós, Brasília, v.21, n.1, jan./abr. 2018 |