ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | Paradoxotopias: o contraditório como método composicional no cinema br |
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Autor | Aline Bittencourt Portugal |
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Resumo Expandido | Diversos filmes brasileiros recentes têm trabalhado em profundo atrito entre realidade e ficção, e em estreita conexão com os territórios em que filmam — periféricos em uma geografia hegemônica do mundo. Minha hipótese é que estes filmes exigem uma análise que desmantele uma série de dualidades [real e ficção, utopia e distopia, liberdade e encarceramento], pois seus escritos cinematográficos explodem com estas noções, conectando-se a existências que sempre viveram o paradoxo entre estes termos. São formas de vida e territórios constituídos por projetos de desenvolvimento abortados, sucessivas tentativas de apagamento, todo tipo de violência atuando sobre os territórios e suas populações. Gomes já nos ensinou a pensar o cinema no subdesenvolvimento — sendo este não um estágio ou uma falta, mas uma possibilidade insurgente. Ludmer, pensando a literatura latinoamericana contemporânea, propõe que pensemos a partir dessa incompletude não-separarabilidade que nos marca enquanto latinoamericanos, e sugere para tanto o termo compósito realidadeficção. Proponho a análise de dois filmes que abordam — tanto ética como esteticamente — o encarceramento de mulheres: Tremor Iê (2019), de Livia De Paiva e Elena Meirelles; e Mato Seco em Chamas (2022), de Joana Pimenta e Adirley Queirós. Tremor Iê foi produzido na cidade de Fortaleza, e nasce do encontro das diretoras com suas vizinhas Lila e Deyse, membros do grupo musical lésbico ativista Tambores de Safo. O grupo teve uma participação significativa nas manifestações de 2013. Suas integrantes foram presas e sofreram violência policial. O filme fabula um futuro distópico no qual Janaína, personagem interpretada pela vizinha Lila, foge da prisão após dez anos de encarceramento e se reencontra com sua amiga e companheira de luta Cassia. Mato Seco em Chamas, por sua vez, foi produzido em Ceilândia, cidade-satélite de Brasília. O filme conta a história das Gasolineiras da Kebrada, uma gangue feminina que produz gasolina desviando petróleo do oleoduto que passa sob seu território, e vende para motoboys no mercado paralelo. Realizado com mulheres de Sol Nascente, a maior favela do Brasil, uma delas usando uma tornozeleira eletrônica, o filme retrata um território onde o interior e o exterior da prisão não são totalmente determinados. Gostaria de pensar, junto aos filmes, de que forma suas construções paradoxais não apenas representam o encarceramento, como também produzem formas de fuga. O paradoxo está presente tanto nesse compósito realidadeficção, como em outras dimensões: a construção de temporalidades disjuntivas que questionam uma noção linear/progressiva tanto da História como da narrativa; a liberdade como prática em meio aos múltiplos cerceamentos; uma abordagem que combina utopia e distopia, numa aliança com existências que sempre inventaram formas de existir em meio a todas as violências e assimetrias. Assim, o termo paradoxotopias, que dá título a essa proposta, é uma forma de abordar composições que destacam a dimensão contraditória, instável, paradoxal desses territórios e modos de vida. Uma forma de pensar junto a táticas fílmicas que desafiem as formas estabelecidas de linguagem cinematográfica, que excedam os gêneros e suas regras, encarnando as formas dissonantes de vida dessas mulheres e seus territórios. Saidiya Hartman propõe que “a rebeldia articula o paradoxo da criação restrita, do emaranhado do escape e do confinamento, da fuga e do cativeiro”. E afirma que ela é “uma contínua exploração daquilo que poderia ser; uma improvisação com os termos da existência social, quando esses já foram ditados (…)”. Explorar aquilo que poderia ser improvisando com os termos da existência social parece ser o que estes filmes estão tentando fazer em suas construções paradoxais, reunindo o que está habitualmente separado e produzindo fricções com este contato, o que pode contribuir para pensar, com o cinema, outras estéticas, epistemologias e geopolíticas lationoamericanas. |
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Bibliografia | ALMEIDA, Rodrigo; MOURA, Luís Fernando (org.). Brasil distópico. Rio de Janeiro: Caixa Cultural, 2017. |