ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | Blockbuster áspero e followability bloqueada: uma análise de Tenet |
|
Autor | Alex Ferreira Damasceno |
|
Resumo Expandido | A carreira de Christopher Nolan é atravessada por dois tipos de filme: o puzzle film (BUCKLAND, 2009), baseado na construção de tramas que subvertem elementos da narração clássica e estabelecem jogos com o espectador para a compreensão da história, como podemos ver em Amnésia (2000) e O Grande Truque (2006); o blockbuster, produções de grande orçamento que privilegiam o espetáculo e a comunicabilidade da história, representado pela trilogia do Batman. Nolan equilibrou as características do puzzle film e do blockbuster em obras como A Origem (2010) e Interestelar (2014). Nesses filmes, o espetáculo foi montado a partir de uma construção narrativa complexa, que fornece didaticamente ao espectador muitos blocos de informação para que ele possa entender a história. Em Tenet (2020), o modo como Nolan articulou elementos do blockbuster e do puzzle film gerou um resultado incomum. Tenet é uma ficção científica baseada na ideia de inversão, um dispositivo que permite que os personagens possam seguir no fluxo contrário do tempo. Esse conceito é explorado em sequências espetaculares, como o sequestro e a explosão de um avião e perseguições de carro, com personagens no fluxo normal e no invertido. Contudo, a história contada é muito difícil – para não dizer impossível – de ser compreendida, como podemos constatar nos debates online sobre o filme. Segundo Thompson (1998), não é raro que um filme clássico busque dificultar a sua compreensão por meio de procedimentos narrativos, produzindo uma forma áspera. Mas o que me parece singular no caso de Tenet é que a aspereza formal ocorra em um blockbuster a ponto de intencionalmente impedir o entendimento da história. Inclusive, os eventos de maior dificuldade de serem entendidos são as sequências de espetáculo. Várias teorias já se debruçaram sobre o processo de compreensão de uma história. Gallie (1968) cunhou o termo followability, recuperado por Ricoeur (1994, p. 214) para designar os “recursos de inteligibilidade” que fundamentam o entendimento e explicação de uma história narrada, ou as ausências que a tornam inexplicável. Na teoria contemporânea do cinema, diferentes modelos foram elaborados para a questão da followabilty, de base cognitivista (BORDWELL, 2008), semio-pragmática (ODIN, 2022), bioculturalista (GRODAL, 2006), dentre outros. Desse debate, parece-me consensual que a followability envolve tanto aspectos imanentes à forma (certas opções que facilitam ou dificultam a compreensão), como aspectos contextuais, que restringem o entendimento a espaços de comunicação, como nomeia Odin (2022). Para analisar Tenet, privilegio os elementos formais, por considerar que o bloqueio da followability é resultante da relação entre dispositivos transculturais e efeitos cognitivos. Dentre eles: a noção de inversão, que resulta em uma ação antimimética do tempo (RICHARDSON, 2019), que desafia a percepção natural; a estrutura em degraus (THOMPSON, 1988), em que a progressão da narrativa ocorre em encontros que o protagonista tem com personagens que só aparecem em uma cena (o que retarda a história e promove digressões); a profusão de informações, que inviabiliza o processamento de todos os aspectos da história; a privação de informações essenciais, o que faz com que o espectador não consiga encadear eventos e ações dos personagens. Segundo Gallie (1968), quando uma narrativa não comunica a totalidade da história, o leitor busca, em outra narrativa, uma explicação suplementar. Diante de um blockbuster incompreensível, parte dos espectadores buscou explicar a história por meio de gráficos, vídeos e animações. Essas visualizações gráficas da narrativa foram difundidas em diferentes espaços online de debate sobre o filme, que tentavam construir coletivamente a compreensão. Desse modo, entendo que subjaz ao bloqueio da followability a intenção de engajar os espectadores na elaboração de explicações sobre o filme, o que segue uma lógica contemporânea de produção de conteúdos online. |
|
Bibliografia | BORDWELL, David. Poetics of Cinema. Nova York: Routledge, 2008. |