ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | Melodrama corporativo na China: análise de The Rational Life (2021) |
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Autor | Marina Soler Jorge |
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Resumo Expandido | Discutir representações femininas na China continental é um empreendimento acadêmico desafiador e estimulante. Por um lado, trata-se de um país que passou em 1949 por uma revolução inspirada por ideias feministas que visavam eliminar a desigualdade de gênero da sociedade chinesa tradicional. Por outro lado, desde 1978, com o encerramento da era do presidente Mao ZeDong e o início da abertura econômica, a China engaja-se progressivamente em um processo de consumo conspícuo, criação de hierarquias sociais e distinção econômica e simbólica entre as classes sociais. Esse processo esteve associado a uma visão masculinista que rejeitou parte das ideias feministas da China maoísta e advogou por um restabelecimento de relações de gênero mais conservadoras. O sucesso das reformas de Deng Xiaoping pode ser verificado pelo aumento da classe média no país e pelo enriquecimento de alguns empresários chineses, que passaram a ostentar seu sucesso econômico com compras de itens pessoais de luxo e o engajamento em práticas de concubinato. The Rational Life é um série chinesa lançada em 2021 (disponível na Netflix) que apresenta aspectos relevantes para refletirmos sobre a representação das mulheres na China continental contemporânea, bem como para visualizarmos elementos do soft power chinês na atualidade a partir da inserção do tema do carro elétrico. A série tem como protagonista Shen Ruo Xin, uma executiva do setor automotivo que está solteira aos 30 anos, sendo caracterizada portanto como uma sheng nu, ou seja, uma mulher que "sobrou". Esse termo se popularizou na primeira década do século XXI na China ensejando uma série de produtos televisivos que tratavam da situação da mulher não-casada, de forma a espetacularizar e criticar mulheres que chegavam aos 30 anos solteiras. Em The Rational Life vemos que o tema da mulher não-casada permanece despertando interesse entre os chineses, mas agora, nos anos 2020, o aspecto recriminatório deu lugar a formas mais sutis de tratamento. Shen Ruo Xin é pressionada por sua mãe a se casar, mas está mais interessada em galgar posições profissionais na empresa em que trabalha. Ela teme que um marido restrinja sua liberdade profissional. A série não trata essa escolha de forma negativa, contrariando o discurso oficial do governo vigente durante a década de 2010, que instava mulheres a se casarem antes de chegarem aos 30 anos. A melhor amiga de Shen Ruo Xin, Song Zi Yan, é casada e não quer ser mãe, o que a leva a grandes tensões com seus sogros e seu marido. Da mesma forma, a série não adota um teor crítico contra Song Zi Yan, e ao final sua recusa da maternidade é respeitada. A personagem de Shen Ruo Xin é muito competente no trabalho, leal a seus colegas e subordinados e transparente com seus clientes e fornecedores. Ela precisa se destacar em um ambiente muito masculino, no qual colegas homens tentam evitar sua ascensão hierárquica. A personagem expressa algumas mudanças na cultura de trabalho chinesa alinhadas à perspectiva de Xi Jinping, atual presidente da República Popular da China, que parece querer moralizar as relações de negócios no país: a honestidade de Shen Ruo Xin a faz ela recusar um generoso suborno em nome de seu chefe sem sequer consultá-lo, pois não "era apropriado" que ele o aceitasse. A série tem fortes elementos de melodrama, e os romances (heteronormativos) entre os personagens são temas centrais. Desta forma, The Rational Life não sustenta a escolha pelo celibato de Shen Ruo Xin até o final. No entanto, o par amoroso escolhido por ela não é convencional: ela recusa as investidas de colegas da mesma idade e mesmo de seu chefe, e passa a namorar um rapaz 10 anos mais novo. Nesta comunicação, procuraremos explorar as representações femininas de The Rational Life, apontando mudanças, permanências e ambiguidades nestas representações, bem como a influência do feminismo liberal a partir da sugestão da existência de um estilo de gerência "feminino". |
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Bibliografia | BARLOW, Tani. The question of women in Chinese feminism. Durham: Duke University Press, 2004. |