ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | Constelação fílmica dos musicais trabalhistas: corpo, trabalho e dança |
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Autor | Mariana Souto |
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Resumo Expandido | Esta apresentação busca exercitar o método comparatista das constelações fílmicas (SOUTO, 2020) em um conjunto de filmes que batizamos, com alguma graça, de “musicais trabalhistas”. Desse exercício de análise, procuraremos enriquecer o método e refletir sobre as potencialidades e limites do cinema comparado. A constelação, metáfora usada por Walter Benjamin (1984), emerge de uma concepção relacional, que vê diálogos, tensões e afinidades entre objetos, mesmo que apartados no tempo e no espaço. A leitura constelar se caracteriza pela liberdade de estabelecer ligações entre partes dispersas. Um filme se conecta ao outro, que por sua vez se liga a outra obra, formando redes imprevistas. O ponto de partida é o português A fábrica de nada (Pedro Pinho, 2017), filme que surpreende pelo desvio inesperado para o musical. Nele, em meio à crise econômica, operários de uma fábrica se veem à beira da demissão em massa. Meses se passam até que uma grande encomenda surge com a promessa de trabalho e dinheiro. Os trabalhadores se põem a dançar coreografias, formam círculos concêntricos aos moldes dos grandes musicais hollywoodianos, quebrando a encenação quase neorrealista que se vinha erigindo. São pessoas sem destreza ou voz notáveis para uma performance dessa natureza. Diante da experiência de espanto gerada pelo filme, nos perguntamos: a que serve o musical nesse contexto? Apesar da distância temporal e estética, as cenas musicais no chão da fábrica ativaram a memória de Dançando no escuro (Lars von Trier, 2000). Quem sabe visitando esse filme com as inquietações do primeiro conseguimos ampliar o conhecimento em torno da questão. As cenas em que a personagem de Björk, guiada pelo estímulo dos ruídos ritmados das engrenagens, vislumbra um mundo menos opressor e mais fantasioso deixou por sua vez uma pista para retornarmos a Tempos modernos (Charles Chaplin, 1936). Nele também vimos um personagem dançar conforme a música da máquina, seus movimentos repetitivos extrapolando a linha de montagem. Ali, a dança parece vir da exaustão, que leva a um “colapso nervoso”, como diz a cartela do filme. O corpo indócil entra em pane, sabota o sistema e dança. Chaplin aperta parafusos no ar, faz passinhos com as pernas, desloca-se saltitante, perseguido pelos personagens repressores. Em Billy Elliot (Stephen Daldry, 2000), o personagem título escapa do destino de operário, ofício de seu pai e do irmão mais velho (em greve naquele momento), pela via da dança – Billy, para desgosto de sua família, dedica-se ao balé. Trata-se de um corpo dissidente no universo dos mineiros ingleses, que descreve a sensação de dançar como se tivesse sido tomado por “eletricidade”. A dança figura como a manifestação de uma energia, não tão diferente da energia elétrica gerada a partir do carvão. Os filmes são reunidos por um critério de liberdade, escapando aos eixos mais usuais da comparação (cineasta, país etc.). Não se trata de um agrupamento temático, pois a dança não é tema dos filmes e o musical não é exatamente seu gênero (talvez à exceção de Dançando no escuro), mas uma forma expressiva que deles se apodera em momentos pontuais. A dança, ao contrário do que se poderia supor, não romantiza nem embeleza o trabalho, mas insere uma dimensão de melancolia e crítica à sua representação. Como eixo, temos a dança conectada ao universo do trabalho, mas que aparece de maneiras profundamente diferentes a cada filme: ligada à euforia ou à manipulação (A fábrica de nada), ao escapismo de um trabalho duro (Dançando no escuro), ao esforço repetitivo e frenético no auge do capitalismo industrial (Tempos modernos), ao desvio inesperado de um corpo programado para o trabalho braçal (Billy Elliot). Constitui-se uma constelação que parte de um eixo, mas que se funda na diferença, uma aposta de que a constelação, depois de criar uma vizinhança de filmes, pode nos auxiliar a enxergar melhor cada obra em sua singularidade. |
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Bibliografia | ALTMAN, R. “The American film musical as dual-focus narrative”. The American film musical. Bloomington-Indianapolis: Indiana University Press, 1987, p. 16-27. |