ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | Uma cidade em montagem |
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Autor | ana rosa marques |
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Resumo Expandido | Com a interiorização das universidades no Brasil e uma relativa democratização no acesso ao ensino superior, estudantes de várias partes do país e com diferentes histórias de vida, deslocam-se para a cidade de Cachoeira, onde permanecem por no mínimo quatro anos na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. A vivência nesse território tem estimulado os alunos do curso de cinema a produzir filmes para expressar a experiência. Cachoeira já foi palco das lutas pela independência do Brasil, seu patrimônio arquitetônico é tombado e suas manifestações culturais alimentam a identidade do território. Por isso a cidade é filmada desde as primeiras décadas do século passado por viajantes interessados por sua riqueza paisagística, cultural ou histórica. No entanto, ao invés do ímpeto de registro e o olhar explicativo e totalizante sobre um lugar, encontramos na produção universitária, seja de estudantes de dentro ou de fora da região, um corpus de filmes que concebe o documentário como um instrumento de aproximação, interação ou reflexão sobre o espaço. Entre eles podemos citar Mondo Cacho (2022, 19 min), de Matheus Leone, um ensaio feito com diversas imagens de filmes já realizados no curso de cinema onde dois estudantes, uma jovem branca paulista e um jovem negro nascido na região, rememoram e refletem sobre as relações permeadas por afetos e conflitos com a comunidade local. A Sinfonia de Beethoven (2022, 12 min), de Rafael Oliveira, excursiona pela trajetória de dois estudantes e seu cachorro em busca de moradia, ao mesmo tempo que apresenta a história e o cotidiano da rua onde finalmente eles encontram um lar. Na nossa proposta de apresentação, pretendemos analisar como os estudantes-cineastas selecionam, organizam e relacionam imagens e sons criando formas e sentidos para narrar o vivido e o pensado sobre esse lugar. Como a montagem trabalha tanto os aspectos que dão dimensão física à cena em seu aspecto plástico (os cenários, a iluminação, as operações de câmera) quanto na ação desenvolvida pelas pessoas diante da câmera? Como essas escolhas e combinações também revelam ou constroem as relações do cineasta com o espaço e os outros agentes da cena documental? Como se articulam a dimensão pessoal da narrativa com as memórias e/ou histórias coletivas e públicas? A cidade não é um objeto fechado, estático e à espera que o cinema a capture e defina. Entendemos que ela está em constante transformação ao mesmo tempo que é produzida pelas relações, ações e forças diversas, também as produz, por isso é local tanto da contradição, como da solidariedade (SANTOS, 1996). A instalação de uma universidade acrescenta mais uma multiplicidade de agentes e acontecimentos à contínua formação desse espaço, pois traz uma série de impactos econômicos, sociais e culturais que, por sua vez, influenciam na convivência entre moradores antigos e os que chegam para estudar. Diante desse organismo vivo, mutável e heterogêneo e que resiste aos aprisionamentos narrativos e discursivos, os estudantes-cineastas são instados a buscar novas formas de testar, experimentar e fazer cinema. Realizar filmes, portanto, é uma maneira de conhecer e habitar, mas também construir esse lugar porque ao conjugar suas percepções, experiências, memórias e afetos sobre as imagens e sons da cidade, o cinema também interfere nos modos de percebê-la, tanto de quem faz o filme, como de quem o assiste. De que modo, então, esses estudantes estão montando, com seus filmes, uma diversificação dos imaginários sobre esse lugar? O encontro experiencial com um lugar de tantas camadas de significados vai atravessar esses jovens que, nesse momento, encontram-se numa circunstância de vida permeada por rupturas e mudanças significativas. Através desse processo, os estudantes tornam-se outro. Narrar essa experiência é, portanto, também elaborar a si mesmo. Na relação com a cidade e suas imagens, constituem-se como sujeitos e buscam escrever e incluírem-se na memória dela com suas narrativas |
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Bibliografia | BORDWELL, D; THOMPSON, K. El arte cinematográfico. Barcelona: Paidós, 1993. |