ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | Três homens invisíveis: fragmento da ontologia cavelliana do cinema |
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Autor | Pedro Monte Kling |
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Resumo Expandido | No centro da ontologia do cinema proposta por Stanley Cavell há uma tensão entre presença e ausência – o mundo dos filmes é “um mundo presente para mim do qual eu estou ausente” (CAVELL, 1979b, p. 168). Essa circunstância ontológica única, que proporciona concomitantemente a presença e a ausência do espectador, é o que dá conta de misteriosos paradoxos do cinematográfico, ao mesmo tempo mágico e realista, tanto refúgio quanto prisão do mundo, de uma só vez teatro e absorção, para falar nos termos herdados de Michael Fried (2002). Igualmente importante é o fato de que Cavell, como (e inspirado por) Bazin, também confere à base fotográfica do cinema um grande protagonismo ontológico, tomando a relação íntima entre filme e mundo como essencial para constituição da essência cinematográfica. Podemos chamar a condição da ausência-presença de condição de invisibilidade, a condição daquele que vê sem ser visto, que também ouve sem ser ouvido, aquele que presencia algo que está absorvido em si. Para Cavell, este traço da espectatorialidade está intimamente relacionado a “necessidades que nós não podemos, sendo humanos, não saber” (CAVELL, 2019, p. 90) – nomeadamente, a necessidade humana de ir além de si, de ver mais do que pode ser visto, saber mais, possuir mais. “Nada é mais humano”, diz Cavell, “do que o desejo de negar a própria humanidade” (CAVELL, 1979a, p. 109). Essa é uma premissa basilar do projeto filosófico de Cavell, derivada de sua crítica à epistemologia moderna, onde conclui que tanto dogmáticos quanto céticos estariam atrelados a uma concepção corrompida de conhecimento – conhecimento enquanto certeza, enquanto totalidade – incompatível com a finita condição humana. Na modernidade, essa corrupção permeia outros campos e se transveste de acordo, seja na política, no sexo, nos relacionamentos, entre outros. A ontologia do cinema, assim – enraizada tanto na crise do sujeito moderno como na base fotográfica realista – possuiria necessariamente contornos morais, epistemológicos e existenciais. A condição foi e é auto examinada inúmeras vezes ao longo da história do cinema, sob diferentes perspectivas. Aqui, propõe-se a leitura comparada de três obras protagonizadas por homens invisíveis: Griffin em O Homem Invisível, Peter em Aconteceu Naquela Noite e Oberlus em Iguana. Para isso, foca-se em três cenas-motrizes, que encapsulam as questões ontológicas estudadas em cada filme. O Homem Invisível funciona como uma chave para leituras futuras, evidenciando a impossibilidade de tornar-se invisível para o mundo real, não somente àquele projetado na tela – i.e., a impossibilidade de transcender o humano, de tentar sublimar todo o fantástico em real. A cena motriz é aquela em que, ao chegar ao hotel no início do filme, o homem invisível precisa fechar sua cortina para não ser visto. Em Peter e em Oberlus, exemplos opostos. Primeiro, do homem que, em Aconteceu Naquela Noite, aceita a invisibilidade como imprescindível motor da fantasia, do desejo e da reflexão, e assim torna-se visível na concretude, no encarnado e na ação. A cena motriz é aquela em que Peter e Ellie compartilham um quarto de hotel, separado ao meio por uma coberta pendurada num varal improvisado, e mesmo estando separados por uma divisa – ou, melhor dizendo, porque estão separados por uma divisa, conhecem um ao outro verdadeiramente, se apaixonam. Por fim, considera-se o homem que, em Iguana, sucumbe a tragédia do absolutismo individual, levando as perversões humanas de conhecimento, poder e prazer até as últimas consequências. A cena motriz é aquela em que Oberlus, banido do mundo e da sociedade, é levado pelas águas do naufrágio até a Ilha Espanhola, e ali encontra um Novo Mundo que chamará de seu, apresentado numa série de planos abertos sobre recifes e rochedos, formações centenárias que tanto se assemelham a deformidade no rosto Oberlus – a fonte de sua segregação –, bem como o mundo dos filmes tanto se assemelha ao mundo real, mágica e perigosamente. |
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Bibliografia | BAZIN, André. O que é o cinema?. Tradução: Eloisa Araújo Ribeiro. São Paulo: Ubu Editora, 2018 |